Lava Jato, Brasil e Argentina
Em 2016, a força-tarefa da Lava Jato divulgou um “power point”, que se tornou viral, no qual Luiz Inácio Lula da Silva aparecia no centro como o suposto “chefão” do esquema de corrupção que os procuradores denunciavam.
Neste domingo (26), Joaquín Morales Solá, um dos principais colunistas da Argentina, não precisou de “power point” para apontar, na sua coluna para La Nación, que Cristina Fernández de Kirchner é a “chefe da quadrilha".
Essas duas acusações indicam as fortes coincidências que existem entre as Lava Jato do Brasil e da Argentina. Coincidência reforçada também neste fim de semana pela incursão da Polícia Federal argentina à mansão de propriedade da ex-presidente em El Calafate, pequena cidade da Patagônia.
De alguma maneira, a mansão acaba sendo o foco nas suspeitas de corrupção que pesam sobre Cristina, assim como o sítio de Atibaia, supostamente de propriedade de Lula, é alvo de investigações.
Mas há coincidências muito mais sólidas entre os desdobramentos dos esquemas que estão sendo investigados no Brasil e na Argentina.
A principal delas: a Lava Jato brasileira feriu gravemente, talvez mortalmente, a candidatura de Lula, líder em todas as pesquisas de intenção de voto para outubro. Preso e condenado em segunda instância, está inabilitado para disputar o pleito, salvo uma reviravolta judicial.
Cristina Kirchner leva sobre Lula a vantagem de que não foi denunciada, apenas interrogada sobre a Lava Jato local, que é mais conhecida como “os cadernos da propina". Mas as suspeitas sobre ela tendem a minar seu capital eleitoral para o pleito de 2019.
“Os cadernos” são a principal evidência contra Cristina (e também contra seu marido, Néstor Kirchner, já morto) e contra outros membros de seu governo.
São oito bloquinhos de notas em que um motorista do governo, Juan Centeno, anotava o movimento de bolsas com milhões de dólares em dinheiro vivo levados a repartições públicas, apartamentos dos Kirchner e mesmo à Casa Rosada, sede do governo.
Aqui, há duas coincidências: os bloquinhos de Centeno são a versão analógica das anotações do departamento de operações estruturadas da Odebrecht, mais conhecido como departamento da propina.
Segunda coincidência: Rodrigo Rocha Loures, que foi assessor de Michel Temer, foi filmado pela Polícia Federal saindo de um restaurante com uma mala contendo R$ 500 mil —produto de propina segundo a PF.
O que não coincide nos esquemas de corrupção é apenas o valor movimentado. Na Argentina, os primeiros cálculos indicam que cerca de US$ 200 milhões (R$ 821 milhões) foram pagos em propinas em troca da obtenção de contratos para obras públicas.
No Brasil, só a Petrobras já recebeu de volta US$ 610 milhões, três vezes mais, portanto. A diferença pode se dever a dois fatores: primeiro, a economia brasileira é bem maior que a argentina e, portanto, oferece butins mais caudalosos; segundo, a investigação na Argentina só deslanchou mesmo em abril deste ano, quando La Nación entregou à Justiça os bloquinhos de Juan Centeno.
Outra coincidência se dá pelo fato de que, pela primeira vez na história de cada um dos países, há empresários presos. Nove deles, na Argentina. Todos eles “arrependidos", autorizados por lei relativamente recente (de 2016), a confessarem seus pecados, em troca do abrandamento das sanções.
É mais um ponto de comum: a Lava Jato só avançou graças ao esquema que no Brasil se chama de “delação premiada".
Mais que coincidências, há um vínculo direto entre as investigações nos dois países: um acordo formal entre as procuradorias de Argentina e Brasil prevê que delações feitas em um país e que tenham repercussões no outro sejam compartilhadas.
O jornal La Nación informa que a Argentina está esperando receber os dados da delação, no Brasil, de Ernesto Clarens, que seria “peça central que une o capítulo argentino da Lava Jato com os cadernos de corrupção [entregues por Juan Centeno].
Clarens, sempre segundo o jornal argentino, seria uma espécie de segunda camada na estrutura criminosa da Odebrecht.
Para terminar as coincidências: não deixa de ser irônico que o denunciante argentino seja um motorista, exatamente como era Eriberto França, motorista de Ana Acioli, secretária do então presidente Fernando Collor de Mello. Eriberto ficou famoso ao dizer em CPI na Câmara dos Deputados que pegava dinheiro com Paulo César Farias, para pagar despesas da Casa da Dinda, residência de Collor.
PC Farias, como era mais conhecido, foi o homem do dinheiro da campanha Collor, fato que fecha o círculo de coincidências: segundo La Nación, Clarens foi, durante anos “o financiador nas sombras de Néstor Kirchner desde seus tempos como governador de Santa Cruz e até sua morte".