Lei que proíbe mutilação genital nos EUA é inconstitucional, decide juiz
Em abril de 2017, a médica Jumana Nagarwala foi presa no estado americano de Michigan acusada de realizar o procedimento de mutilação genital feminina, comum em regiões da África e do Oriente Médio, em nove meninas com idades de 6 a 8 anos que viviam nos Estados Unidos.
O médico Fakhruddin Attar, dono da clínica onde as cirurgias foram realizadas, na cidade de Livonia, e outras seis pessoas também eram alvo de processo por compactuar com as violações.
O caso representou um marco: foi o primeiro no país a nível federal relacionado à prática, considerada crime desde 1996 no país. Mas, na última terça (20), o juiz federal de Detroit Bernard Friedman declarou que a lei que proíbe a cirurgia é inconstitucional e dispensou a maioria das acusações contra os dois médicos.
O magistrado afirmou que, "por mais desprezível que a prática possa ser", o Congresso "ultrapassou os seus limites" ao aprovar a norma, já que cabe aos estados regular suas legislações criminais.
Nagarwala ainda enfrenta outras duas acusações: de conspiração e de obstrução de um procedimento oficial. O caso deve ir a julgamento em abril de 2019. O médico, sua esposa e a mãe de uma das vítimas também respondem à acusação de obstrução.
A porta-voz do escritório do procurador do distrito oriental de Michigan, Gina Balayo, afirmou que o governo está estudanto a decisão do juiz e vai decidir se recorrerá da decisão.
As pessoas envolvidas no caso fazem parte da seita Dawoodi Bohra, com origens no oeste da Índia, que segue os preceitos do islamismo xiita. Os acusados argumentaram que não realizaram mutilação genital, com remoção de clitóris ou dos lábios, mas apenas um corte na genitália feminina como parte de um ritual religioso.
Segundo o governo, uma das meninas, de 7 anos, contou a investigadores que a ida a Detroit foi descrita como uma "viagem especial para meninas" e que foi impedida de falar sobre o procedimento depois que foi concluído. As vítimas eram de Michigan, Illinois e Minnesota.
Apenas 27 dos 50 estados americanos têm leis que proíbem a mutilação genital feminina, segundo a AHA Foundation, organização que defende os direitos das mulheres. Michigan só aprovou uma regra sobre o assunto alguns meses após a prisão dos médicos, então ela não valeria para o caso dos médicos acusados.
O número de mulheres mutiladas nos Estados Unidos aumentou nas últimas décadas, na esteira do crescimento da imigração para a América do Norte.
De acordo com um levantamento do CDC (Centro para o Controle e Prevenção de Doenças, na sigla em inglês), em 2012 cerca de 513 mil mulheres no país haviam sido submetidas ao procedimento ou corriam o risco de passarem por ele. Em comparação com 1990, o número mais do que triplicou.
Uma análise de dados mais detalhado realizado pela Population Reference Bureau, organização especializada na coleta de estatísticas, mostrou que mulheres com raízes no Egito, na Etiópia e na Somália eram as que corriam mais risco em 2013.
Os estados da Califórnia (57 mil), de Nova York (48 mil) e de Minnesota (44 mil) concentravam a maior quantidade de pessoas em risco.
No mundo, há ao menos 200 milhões de mulheres que foram vítimas de mutilação genital, de acordo com a Unicef.
Somália e Guiné são os países africanos com as piores taxas: o fundo estima que 98% e 97% das mulheres de 15 a 49 anos desses lugares tenham passado pelo procedimento. Sudão (87%), Egito (87%), Serra Leoa (86%) e Mali (83%) aparecem em seguida.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) classifica as mutilações em quatro categorias: clitoridectomia (remoção parcial ou total do clitóris), excisão (remoção parcial ou total do clitóris e dos pequenos lábios), infibulação (sutura da vulva) e procedimentos realizados na genitália sem propósitos médicos (como furo de piercing).
A entidade estima que a clitoridectomia, a excisão e procedimentos feitos sem indicação médica respondem por cerca de 90% das mutilações no mundo.