Ligação entre discurso de ódio e bombas é óbvia, mas alguns se recusam a ver
O gesto foi pequeno, mas continha vasto significado.
Em um comício ruidoso em Montana na semana passada, um apoiador do presidente Donald Trump –estimulado pelo rude elogio do presidente a um congressista que agrediu um repórter– olhou fixamente para o repórter Jim Acosta, da CNN.
Então passou o dedo em um gesto horizontal pela garganta. E riu.
Mais tarde, Acosta descreveu o “efeito Trump”. “Ele normalizou e sanitizou a ofensa e a crueldade de maneiras que eu nunca pensei que veria”, disse ele, pouco depois do comício.
O efeito Trump é uma linha reta que parte de anos de sua retórica de ódio até o perigo no mundo real. É uma linha que vai diretamente do desrespeito à bomba caseira.
E –quase inevitavelmente– ela acabará indo da tentativa fracassada ao sangue derramado.
Se você não consegue ver isso, é porque não está olhando. Mas na quarta-feira (24), muita gente não estava olhando.
As notícias de bombas enviadas aos mais frequentes objetos das críticas repetidas do presidente Trump provocaram uma torrente de absurdos. Era uma operação de “bandeira falsa”, afirmaram alguns, instigada pelos inimigos de Trump.
Ann Coulter tuitou que as bombas foram, ao longo da história, “uma tática liberal”.
E o radialista Rush Limbaugh, citado no HuffPost, opinou que republicanos não fazem esse tipo de coisa, e que provavelmente o culpado era agente democrata.
Mas vamos falar sério. Todos os alvos das bombas de canos haviam sido visados por horas intermináveis de comentários na Fox News.
A lista de alvos se parecia com anotações para uma transmissão de Sean Hannity: Hillary Clinton, o ex-presidente Barack Obama e o ex-chefe da CIA John Brennan –e, como representante da mídia maligna, a CNN.
Como sempre, Trump atirou culpas para todo lado, menos para onde deveria.
No que Katie Rogers e Eileen Sullivan de The New York Times descreveram como o “jiu-jitsu retórico”, ele combinou ataques à mídia e aos democratas com apelo a “nos unirmos em paz e harmonia”.
E em um tuíte repreensível na manhã de quinta-feira (25), Trump dobrou a aposta: “Uma parte muito grande da Raiva que vemos hoje em nossa sociedade é causada pelas notícias propositalmente falsas e imprecisas da mídia da corrente dominante que eu chamo de Fake News. [...] A mídia da corrente dominante tem de se limpar, RÁPIDO!”
Há perigo real nesses ataques. Há perigo na frase “prendam-na” (usada em referência a Hillary Clinton), na teoria sobre o nascimento de Obama, em retaliar contra o ex-diretor da CIA Brennan ao revogar seu passe de segurança. Há perigo em chamar os jornalistas de “inimigos do povo” e em comemorar o deputado de Montana Greg Gianforte por agredir o repórter Ben Jacobs, do The Guardian.
E o perigo só aumenta. Na semana passada, uma autoridade republicana de Montana renunciou a seu cargo não apenas elogiando a agressão de Gianforte mas, em comentários num programa de rádio, levando a coisa um passo além: “Se aquele garoto tivesse feito comigo o que fez com Greg, eu teria lhe dado um tiro”, disse ela.
Quando um atirador matou cinco empregados do jornal Capital Gazette em Annapolis, Maryland, pareceu sábio não atrelar a tragédia aos ataques de Trump à mídia. Afinal, Jarrod Ramos vinha assediando o pequeno jornal local havia anos, numa briga sobre notícias a respeito dele que considerava injustas.
Hoje não tenho tanta certeza. A retórica de Trump faz o impensável parecer possível. Do que eu tenho certeza é que o perigo que veio de cima –de Trump– vai se agravar, a menos que ele faça tudo o que pode para mudar.
Que ele seja modelo, em palavras e atos, da paz e união que ele apoiou mornamente na quarta-feira.
Que ele reconheça seu próprio papel gigantesco no problema, para honestamente enfrentar o “efeito Trump”.
É claro, não há motivo para pensar que isso irá acontecer.
E então –embora seja terrível dizer– sabemos o que virá.
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves