Lista de banidos no esporte dos EUA por assédio sexual chega a centenas
A ginástica recentemente tinha 178 nomes em sua lista. Na natação, eram 163. No taekwondo, eram 31, e mais 29 na patinação artística e 33 no judô.
As listas incorporam centenas de pessoas que foram banidas, em muitos casos por delitos de conduta sexual, das federações que administram esses esportes e das organizações que supervisionam o desenvolvimento de atletas olímpicos nos Estados Unidos.
Alguns dos nomes são bastante conhecidos, talvez nenhum mais que o de Larry Nassar, antigo médico da Federação de Ginástica dos Estados Unidos, sentenciado a prisão por acusações de abuso sexual contra dezenas de jovens atletas.
No entanto, o escopo imenso das listas, e as incoerências que elas abrigam devido a padrões diferentes entre as organizações, despertam muitas questões —uma das quais envolve a legalidade do esforço realizado para compilar e divulgar as listas, já que, até recentemente, as medidas disciplinares cabiam às federações, e cada qual administrava justiça à sua maneira.
Também há questões de transparência, e sobre se algumas modalidades estão divulgando a lista completa dos responsáveis por delitos no passado.
O plano, agora que o Comitê Olímpico dos Estados Unidos prometeu abrir as cortinas e revelar tudo, é recolher todos os nomes, referentes a todos os anos e todos os esportes olímpicos, em um registro central que permita verificação fácil pelos interessados em entrar para uma equipe, contratar um treinador ou preparador físico, ou autorizar uma transferência.
"O que queremos é um ambiente no qual, em toda a família olímpica e paralímpica, os nomes das pessoas banidas sejam facilmente acessíveis", disse Rick Adams, o executivo do comitê olímpico americano que comanda o esforço de criação desse repositório central, sob a iniciativa SafeSport.
O comitê olímpico criou o Centro Americano para o Esporte Seguro (SafeSport), que se tornou uma organização autônoma em março de 2017.
A ideia era ter uma só agência, dotada do poder para investigar acusações de delitos de conduta e julgá-las, assumindo responsabilidades que antes cabiam às federações individuais, como a de ginástica e a de natação (também envolvida em um escândalo), e outras.
A SafeSport não divulga uma lista de todas as pessoas excluídas dos esportes, mas oferece em seu site links para as listas individuais das federações, e opera um banco de dados acessível a buscas onlines sobre todos os casos em que tenha imposto exclusões ou suspensões —algumas destas últimas provisórias, enquanto correm as investigações.
De sua criação no ano passado até agosto desde ano, a SafeSport lidou com 1.368 casos de desvios de conduta sexual, em quase todos os esportes, informa a organização, e cerca de 800 deles continuam abertos. A SafeSport até agora excluiu 149 pessoas do esporte permanentemente, ela informa.
(Sinais de sua influência, e da virada mais ampla da cultura em direção à denúncia de crimes sexuais, podem ser encontrados em algumas das listas publicadas pelas federações de diversos esportes. Antes que a SafeSport entrasse em operação, a federação de atletismo dos Estados Unidos tinha um nome em sua lista de excluídos;. Agora, são 47.)
Somadas, as listas constantemente atualizadas de pessoas punidas incluem mais de 220 exclusões permanentes por abuso ou delitos de conduta sexual apenas nos últimos 17 meses e garantem que os casos de agressão sexual a crianças nos esportes dos Estados Unidos sejam expostos de maneira mais ampla.
"Isso vai bem além de deter uma pessoa como Larry", disse Rachael Denhollander, advogada e antiga ginasta que foi a primeira pessoa a denunciar Nassar publicamente. "O número de treinadores que são predadores e constam das listas de punidos é enorme. Mas o número de predadores que não constam das listas talvez seja ainda maior".
A SafeSport passou a contar com o apoio de legislação federal, alguns meses atrás. Opera um escritório em Denver, uma equipe crescente de investigadores, e desenvolveu um conjunto de normas e procedimentos para estabelecer jurisprudência. (O que ela não tem, dizem críticos como Denhollander, é a verba necessária, e a independência quanto ao Comitê Olímpico dos Estados Unidos e outras organizações, cuja fiscalização ineficiente criou a crise.)
O esforço para compilar nomes de maneira mais rigorosa está provando ser um objetivo delicado e difícil.
Há cerca de 50 organizações que administram esportes individuais, sob o comitê olímpico e o paralímpico americanos, algumas com históricos dolorosamente negativos quanto ao trato de acusações de delitos de conduta sexual.
Nem todas essas organizações dispõem de listas, ou desejam divulgá-las.
Por enquanto, o banco de dados público da SafeSport não inclui todas as pessoas, e não se sabe ao certo quantas elas são, que foram banidas antes de sua criação em março de 2017. A SafeSport atribuiu às federações individuais a responsabilidade por divulgar esses nomes.
Antes da SafeSport, cada federação cuidava de suas investigações e aplicava medidas disciplinares de acordo com seus critérios.
Lidar com acusações de abuso costumava ser complicado, dispendioso e desconfortável. Revelá-las podia causar pesadelos em termos de relações públicos, capazes de afetar muita coisa, como patrocínios e o número de medalhas conquistadas pela modalidade.
A estrutura fomentava a criação de ambientes em que segredos persistiam e acusações passavam em branco. Parte da preocupação era a possível responsabilidade judicial.
Com o estímulo de audiências legislativas realizadas por conta do caso Nasser, Susanne Lyons, presidente-executiva interina do do Comitê Olímpico americano (ela se tornaria presidente do conselho da organização posteriormente), enviou uma carta a todas as federações esportivas americanas em 31 de maio, instruindo cada uma delas a fornecer informações detalhadas sobre acusações, investigações e suspensões ou exclusões anteriores à criação da SafeSport.
A SafeSport espera divulgar essas informações publicamente até o final do primeiro trimestre de 2019.
Shellie Pfohl, presidente da SafeSport, disse que a missão representava um desafio logístico: criar um banco de dados que ligue 49 federações nacionais de esportes para que informações possam ser compartilhadas, e para dar ao público acesso a todos os nomes e a pelo menos parte das informações.
A SafeSport não reluta em divulgar os nomes de pessoas que tenha investigado e excluído do esporte. Mas e quanto a pessoas punidas anteriormente, em certos casos anos antes, por uma das federações nacionais?
"Não podemos discutir sobre a maneira pela qual um caso foi investigado, como foi adjudicado, ou qualquer coisa do tipo", disse Pfohl. "É por isso que não estamos simplesmente incorporando todas as listas ao nosso banco de dados aberto a buscas, em forma de um banco de dados unificado".
Especialistas em questões legais dizem que a SafeSport e o Comitê Olímpico dos Estados Unidos têm o direito de publicar as informações das federações esportivas, se elas forem verdadeiras e corretas.
Quem acusar as organizações por difamação terá de provar que elas divulgaram intencionalmente informações falsas. Seria difícil argumentar convincentemente que as listas representam invasão de privacidade, dizem advogados, a menos que exista algum acordo prévio para manter sigilo sobre os nomes, como resultado de um processo.
"Ao divulgar essas informações de maneira ainda mais ampla, eles estão de alguma afirmando sua precisão e sua completude", disse Donald Lewis, advogado que trabalhou em casos de delitos de conduta sexual. "Isso poderia criar problemas".
Por enquanto, o banco de dados da SafeSport revela pouco sobre os casos que a organização vem investigando desde 2017 —apenas o nome do envolvido, o esporte, a data da decisão, algumas palavras para caracterizar a violação ("delito de conduta sexual") e o status da pessoa, se suspensa ou excluída permanentemente do esporte.
Os relatórios das federações antes de 2017 eram muito mais variados —podiam incluir apenas uma lista de nomes ou uma descrição detalhada dos casos, como acontece na Federação de Patinação Artística dos Estados Unidos, que posta uma lista de excluídos em seu site há anos.
"A informação é inútil se ficar trancada", disse Patricia St. Peter, que foi presidente da federação de patinação. "O propósito é proteger, e garantir que isso não aconteça a outras pessoas".
Outras federações, como a de hóquei e a de esqui e snowboard, não divulgam suas listas publicamente, confiando em mecanismos internos e verificações de antecedentes para evitar que empreguem profissionais com passados perturbadores.
Restam algumas federações que não têm listas, porque nunca excluíram integrantes. Outras têm listas redigidas de maneira enigmática, ou com trechos apagados.