Livro conta a história de 100 ações contra mudanças climáticas
O que já existe de prático para reverter o processo de aquecimento do planeta? Que iniciativas têm mais chance de expansão e resultados? O que há para fazer como indivíduo e coletivamente? Um projeto que une cientistas, ambientalistas e ONGs - 70 pessoas, de 22 países - se debruçou sobre programas e práticas em vários países para analisá-las e selecionar as 100 consideradas mais efetivas, estimando seus ganhos em diminuição de carbono.
O resultado desse amplo processo de análise, comparações e estimativas e funciona como obra de referência para pesquisadores e leigos: "Drawdown - 100 iniciativas poderosas para resolver a crise climática".
Organizado pelo ambientalista e escritor americano Paul Hawken, o livro foi lançado em português em maio pela editora Manole. Saiu nos Estados Unidos em abril de 2017 e esteve na lista dos mais vendidos. Hawken é autor de "Capitalismo Natural", que também tem edição em português.
"Drawdown" é a medida do declínio de uma variável numa determinada série histórica. No contexto ambiental, o termo está sendo usado como meta a ser atingida: o momento em que a concentração de gases de efeito estufa atmosféricos atinge seu ponto máximo e começa a diminuir.
CAPÍTULOS
O livro tem tom otimista, quer engajar para a causa e apresenta soluções individuais e coletivas. Divide as iniciativas já em prática no mundo em oito capítulos: energia, alimentos, mulheres e meninas, edifícios e cidades, uso da terra, transporte, materiais e futuras atrações. O ranking é baseado na redução atmosférica total de carbono.
"Nossa organização não criou nem elaborou um plano. Nós não temos essa capacidade ou mandato para isso", escreve o autor na apresentação do livro. "Encontramos modelos que já existem no mundo, em práticas e tecnologias, por indivíduos, comunidades, agricultores, cidades, empresas e governos. Cidadãos engajados em todo o mundo estão fazendo algo extraordinário. Essa é a história deles."
Para cada solução apresentada, há uma descrição histórica, como funciona o projeto e são apontados o impacto de carbono proporcionado, custo e economia relativos, qual o caminho para a adoção, destacando que as as medidas podem gerar empregos e economia.
TOP 10
Gerenciamento de agentes de refrigeração
Adoção de turbinas eólicas
Redução de desperdício de alimentos
Opção por alimentação rica em vegetais
Proteção das florestas tropicais
Investimento na educação de meninas
Planejamento familiar
Fazendas solares
Silvopastagem*
Painéis solares de telhados
* Combinação de árvores, pastagem e gado numa mesma área ao mesmo tempo e manejados de forma integrada, para incrementar a produtividade por unidade de área
Entre as soluções constam uma alimentação mais rica em vegetais, uso de bioplásticos, compostagem, captura de metano em aterros sanitários, telhados verdes. correto gerenciamento de sistemas de refrigeração, o uso de turbinas eólicas, a redução do desperdício de alimentos,
Alguns temas são conhecidos, como a ideia da ampliação do uso da energia eólica. Mas também há temas menos óbvios no contexto da mitigação de danos ao clima, como a educação de mulheres e meninas, em sexto lugar no ranking geral. Além de ser fundamental para o planejamento familiar, "a educação reforça a resiliência em termos de impacto nas mudanças climáticas".
ALIMENTAÇÃO
Em artigo publicado em 31 de julho no "The Washington Post", o vice-presidente e diretor de pesquisa do projeto, Chad Frischmann, ressalta o impacto do desperdício de alimentos no clima. Segundo ele, o combate e às perdas é uma das maiores possibilidades para indivíduos, empresas e comunidades combaterem aquecimento global e, ao mesmo tempo, alimentar mais pessoas, aumentar os benefícios econômicos e preservar ecossistemas ameaçados.
"Dióxido de carbono, metano, óxido nitroso e os gases fluorados usados na refrigeração são produzidos e emitidos da produção de alimentos para os nossos refrigeradores. E não se esqueça de todas as latas de metal, sacos de plástico e caixas de papelão em que nossa comida chega. Ao jogar metade de uma lasanha, metade das emissões resultantes da produção e processamento, embalagem, transporte, armazenamento, coleta e cozimento também é desperdiçado."
Ao analisar esse tema para o projeto, escreve Frischmann, "descobrimos que reduzir o desperdício de alimentos poderia ter quase o mesmo impacto na redução de emissões nas próximas três décadas, como as turbinas eólicas. Mais de 70 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa podem deixar de ser lançados na atmosfera".
BRASIL
O Brasil é o sétimo emissor de gases do efeito estufa. Quase 70% das emissões brasileiras têm origem no setor agrícola, seja pelo desmatamento para expansão do cultivo de grãos e pastagens pela agropecuária, seja pelas emissões diretas da agricultura. Portanto, o país poderia fazer diferença no cenário mundial com ações efetivas contra desmatamento e em favor de uma agricultura regenerativa do solo.
Esse é a linha de raciocínio usada pelo climatologista, pesquisador e membro da Academia Brasileira de Ciências e do Institulo de Estudos Avançados da USP Carlos Nobre, no prefácio que escreve para a edição brasileira do livro.
"Devemos usar a melhor ciência para buscar um modelo de desenvolvimento tropical que inexiste hoje, um modelo que produza, sim, alimentos de forma crescentemente produtiva, utilizando a menor área e liberando grandes extensões - sem paralelo em qualquer outro país - para a restauração florestal (eficiente mecanismo para remoção de gás carbônico e provisão de importantes serviços para os ecossistemas, como qualidade da água, polinizadores, redução de erosão, proteção de biodioversidade)."
Também fazem prefácio à edição brasileira a modelo Gisele Bundchen e o empresário Pedro Paulo Diniz, que é membro do conselho do projeto Drawdown.
FUTURAS ATRAÇÕES
Ideias que podem modificar paradigmas são elencadas entre as "Futuras Atrações" do livro.
Entre elas, o uso da energia das ondas oceânicas, as rodovias inteligentes, que captam luz solar para fazer a iluminação artificial noturna, e o potencial uso do cânhamo de forma industrial para substituir em parte o algodão.
Um destaque para o sistema de transporte Hyperloop, desenvolvido pelos estudantes da Universidade de Delft, baseado num artigo publicado por Elon Musk, da Tesla, em 2013. O texto alerta: "o Hyperloop pode criar o sistema de transporte mais eficaz e renovável já imaginado, ou pode catalisar uma nova onda de materialismo que já envolve grande parte do planeta".
CONTINUIDADE
A pesquisa do projeto desenvolveu modelos e avaliações técnicas que projetam impactos financeiros e climáticos das soluções para os próximos trinta anos que foram congelados no livro, mas a organização afirma que continuará atualizando e expandindo a pesquisa, divulgando novos conteúdos online. Planeja também uma segunda edição em 2020, tratando de impactos sociais e de saúde das soluções já apresentadas.
A ideia é ser um repositório de informações e uma interface para envolver grupos, empresas, pessoas e governos para implementar ações.