MAM do Rio vende seu Pollock no dia 15, em Nova York; decisão divide opiniões
Um leilão marcado para o dia 15, em Nova York, tem causado barulho na comunidade artística do Brasil.
Uma das obras mais valiosas da coleção do Museu de Arte Moderna do Rio, “Número 16”, do expressionista abstrato Jackson Pollock, será disputada por colecionadores do mundo todo. Espera-se que alcance US$ 18 milhões, ou cerca de R$ 66,5 milhões.
A venda, apresentada pela direção do museu como essencial para sanar suas dívidas e pelo ministro da Cultura como tábua de salvação para o acervo de 16 mil itens, provavelmente tirará para sempre do Brasil a pintura, criada por um mestre moderno no auge de sua carreira.
“Número 16” é parte de uma série de 16 trabalhos em pequenos quadrados de masonite, um tipo de aglomerado de madeira, que o pintor realizou na metade do século 20.
Assim como nas telas de parede inteira que lhe deram fama, as menores trazem as características tintas gotejadas de Pollock, como se fossem respingos sobre a tela.
O quadro foi doado à instituição carioca pelo milionário americano Nelson Rockefeller em 1952, um momento no qual o ex-presidente do MoMA mantinha estreitas relações com o país.
“Uma pintura relativamente pequena como ‘Número 16’, de 1950, é tão importante artisticamente como uma de suas telas grandes”, afirma Helen Harrison, diretora da Pollock-Krasner House, casa na qual o pintor morou com a mulher, a pintora Lee Krasner, e que serviu também como estúdio do artista, na pequena cidade de East Hampton, nos Estados Unidos.
A especialista afirma que o quadro tem a “dinâmica visual” que “incorpora a essência de um Pollock”.
Quando a venda foi anunciada, em março, a expectativa era que a tela arrecadasse mais que a estimativa atual —US$ 25 milhões, cerca de R$ 92 milhões.
Ainda assim, a medida é vista como “capaz de resolver em caráter definitivo a precariedade do MAM, a possibilidade de seu fim”, pelo ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão.
Ele conta que teve uma audiência com a diretoria do museu e com a presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Kátia Bogéa, no início deste ano.
Na ocasião, foi-lhe apresentado um diagnóstico da situação financeira do museu —cujo déficit atual é de R$ 1,5 milhão— e os planos para a venda. A ideia é usar o dinheiro da venda para sanar as dívidas e criar um fundo que, em tese, permitiria a sustentabilidade permanente do MAM.
Trata-se de um “endowment”, um fundo patrimonial permanente, procedimento adotado em importantes instituições americanas.
Segundo o ministro, o fundo deve remunerar o capital investido em ao menos 1% ao mês. Isso significa que, se a tela for vendida pelo preço mínimo de R$ 67 milhões, vai render R$ 670 mil a cada 30 dias. O montante é mais do que suficiente para bancar o custo de funcionamento mensal do MAM, na casa dos R$ 500 mil.
Privado, o MAM não conta “com nenhuma verba dos governos federal e estadual”, informa um comunicado em seu site. Sustenta-se com o aluguel de seus espaços e com patrocínios, obtidos basicamente via leis de incentivo.
O acervo da instituição conta com a coleção de 6.000 itens de arte brasileira moderna e contemporânea de Gilberto Chateaubriand, filho de Assis Chateaubriand, o Chatô, cedida em regime de comodato.
Paulo Vieira, membro do conselho do MAM e muito próximo de seu presidente, Carlos Alberto Chateaubriand, enxerga o fundo como um “colchão de segurança” diante da queda de captação de recursos nos últimos anos e das incertezas na área cultural que podem vir do governo de Jair Bolsonaro.
Ele afirma que o fundo será gerido por “uma equipe da área financeira, de fora do museu”, e será usado para melhorias de infraestrutura, segurança e programação.
Vieira não dá detalhes de como a instituição atingiu uma situação de penúria financeira. Apenas cita “questões tributárias e trabalhistas que se arrastam há anos” e diz que não há a possibilidade de que a decisão de vender o Pollock, tomada no final de 2017, seja alterada.
O conselheiro comenta também que o museu vai conseguir um “melhor preço” leiloando a tela no exterior.
Essa afirmação é validada por Jones Bergamin, diretor da principal casa brasileira de leilões de arte, a Bolsa de Arte, que entrou na disputa para hospedar a venda —mas perdeu para a britânica Phillips.
Bergamin venderia a obra em reais, e seu valor ficaria defasado frente à avaliação em dólares oferecida por casas de fora, sobretudo em um cenário com a moeda americana valorizada.
Thiago Gomide, da galeria Bergamin & Gomide, diz que leiloar no exterior é uma forma de excluir os brasileiros do jogo. Isso porque, explica, caso um conterrâneo arremate a tela e queira repatriá-la, terá que pagar um imposto que pode chegar a 45% do valor da obra —montante que não será integrado ao valor de mercado da pintura.
“Teria como leiloar o quadro no Brasil, haveria colecionadores locais interessados”, completa Gomide.
Embora seja a primeira vez que um grande museu brasileiro se desfaça de um item de seu acervo para angariar fundos, não há impeditivos legais para tal: por se tratar de instituição privada, o MinC não pode interferir na venda da tela. Além do mais, a coleção do MAM, da qual “Número 16” faz parte, não é tombada por órgãos do patrimônio.
Uma alternativa para que a tela ficasse no país seria que fosse adquirida por um dos 30 museus vinculados ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), hipótese sugerida pelo próprio MAM em seu site.
No entanto, de acordo com a assessoria de imprensa do Ibram, o órgão nunca foi procurado pela instituição carioca com essa finalidade.
A venda da tela é lamentada por membros da comunidade museológica. Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp, acha que “os museus não deveriam vender peças de seu acervo” e que, caso o façam, “que seja apenas para preencher uma lacuna na coleção”.
Mas pondera que consegue “conceber a situação de um museu que se encontre em um tal nível de precariedade que necessite tomar essa decisão”. Luiz Camillo Osorio, ex-integrante do conselho de curadoria do MAM, disse “lamentar” a atitude, “uma perda para nós todos”.
Por fim, o diretor de uma importante instituição cultural paulistana classificou como inaceitável a venda.
Sob a condição de anonimato, lembrou que a coleção de Chateaubriand está no MAM em comodato, jamais tendo sido doada; já o quadro de Pollock pertence ao acervo. Isso, pondera, equivaleria a dizer que o museu propôs a venda de um de seus quadros para garantir a coleção de Gilberto Chateaubriand.
Algumas cifras sobre Pollock
US$ 200 milhões
valor mais alto já atingido por um trabalho de Pollock - tela “Número 17A” (pintada em 1948)
US$ 140 milhões
segundo valor mais alto já atingido por um trabalho de Pollock - tela “Número 5” (pintada em 1948)
US$ 18 milhões
valor estimado da tela “Número 16”, que será leiloada em Nova York no dia 15 pelo MAM do Rio de Janeiro
R$ 670 mil
é o que deve render, por mês, o dinheiro advindo da venda da obra, depois de aplicado em um fundo
R$ 500 mil
custo mensal de funcionamento do MAM