Melhor técnico do mundo, Deschamps ignora jogo bonito e teme relaxamento

Entre os prêmios distribuídos na festa anual da Fifa, um evento de gala realizado este mês, havia o de melhor treinador do ano. O maior astro da categoria era Zinedine Zidane que encerrou sua passagem como treinador do Real Madrid com um terceiro título consecutivo na Champions League.

O segundo candidato era Zlatko Dalic, treinador pouco conhecido até recentemente que conduziu a Croácia em sua improvável jornada à final da Copa do Mundo. E havia Didier Deschamps. Ao comandar a França na vitória sobre a Croácia em Moscou, ele se tornou o terceiro homem a vencer a Copa do Mundo como treinador e como jogador.

Mas embora Zidane e Dalic tenham recebido ovações entusiásticas quando seus nomes foram lidos no Royal Festival Hall de Londres, o nome de Deschamps mereceu pouco mais que uma salva de palmas cortês.

Isso não foi surpresa para o treinador da França: ainda que tenha conquistado o prêmio, ele é tão pragmático como treinador quanto era como jogador, e está acostumado a ser ignorado pelos holofotes, que buscam figuras mais vistosas de sua profissão.

Foi exatamente por isso que a vitória da França na Copa do Mundo —criticada por muitos como mais laboriosa do que triunfante—  serviu como confirmação de seu trabalho, em alguma medida.

Em uma era em que os treinadores se tornaram superastros, em que eles se tornaram célebres por suas suas filosofias grandiosas e ofensivas —basta pensar em Pep Guardiola ou Jürgen Klopp—, Deschamps, 49, parece ser uma figura do passado: um artesão entre os estetas, um defensor aberto da eficiência ante a efervescência, um proponente da substância mais que do estilo.

"Em algumas das partidas não tivemos tanta posse de bola quanto os adversários, mas isso não aconteceu porque não estivéssemos levando perigo", disse Deschamps sobre as críticas ao seu estilo declaradamente cauteloso.

"No futebol, você não retém a bola apenas por reter. Se você a tem, precisa ser perigoso, criar oportunidades e marcar gols. E se você não os marca, tem de garantir que o oponente tampouco o faça". Para Deschamps, um sujeito baixinho com um sorriso que expõe uma fileira de dentes tortos, a beleza no campo de futebol não importa.

Ele lembrou que ela tampouco importava para o time que capitaneou na final da Copa do Mundo de 1998. Mas como terminou acontecendo com aquele time, ele está ciente de que agora haverá pressão inevitável sobre a França, para que ela jogue como Melhor Seleção do Mundo. A seleção de 1998, ele recorda, perdeu seu equilíbrio ao tentar dominar os adversários, dois anos depois, na Eurocopa de 2000.

A França ainda assim conquistou o título, mas aquela lembrança, ele disse, orientará suas decisões, em meio aos apelos atuais para que Deschamps solte o freio de mão, deixe de sufocar os adversários, e em lugar disso permita que jogadores como Kylian Mbappé e Antoine Griezmann os surpreendam.

"Poderíamos mudar de estilo, mas seria um risco", ele disse. "Jogando contra adversários de primeiro nível, você não se sai bem se não tiver uma base defensiva sólida. Jogar assim por um jogo? Sim. Mas durante todo um torneio? Não".Deschamps ocupa seu posto há mais tempo que 49 dos 55 treinadores de seleções nacionais na Europa, e essa durabilidade resulta do conservadorismo que ele diz ser necessário, levando em conta a dinâmica do futebol internacional.

No comando de um clube —função que ele exerceu com algum sucesso na Juventus, no Monaco e no Olympique de Marselha—, os treinadores podem alterar esquemas táticos em base diária, e adotar os melhores deles de maneiras que permitem planos de jogo complexos. Treinadores de seleções nacionais como Deschamps, por outro lado, passam meses sem ter os jogadores da equipe ao seu dispor, e sua segurança no posto se reduz a cada derrota.

"É difícil evoluir quando você tem apenas 15 dias ou três semanas para treinar, e para corrigir e mudar táticas", disse Deschamps. "Os jogadores são inteligentes, mas em seus clubes jogam de determinadas maneiras. O treinador do Real Madrid não vai pedir a eles a mesma coisa que o treinador do Paris Saint-Germain ou o do Chelsea.

Por isso é preciso encontrar um plano de jogo que funcione para todos". "Para mim, o objetivo é aproveitar cada jogador da melhor maneira, escalá-los nas posições em que se sentem bem. E aí repetir, repetir, repetir", afirmou. O trabalho de alguns dos rivais de Deschamps na Rússia indica que ele talvez tenha razão.

A Inglaterra, por exemplo, chegou às semifinais com uma abordagem sólida, privilegiando a segurança e jogadas de bola parada. Mas depois que a Alemanha, a campeã da Copa do Mundo de 2014, foi eliminada ainda na fase de grupos na Copa deste ano, seu treinador, Joachim Löw, admitiu que ao tentar refinar seu ataque ele permitiu que seu time desconsiderasse o básico.

"Superestimei o time ao achar que poderíamos chegar pelo menos à próxima fase dominando jogos", disse Löw. "Foi quase uma arrogância. Tentei persistir com essa tática por tempo demais, buscando aperfeiçoá-la".Talvez ciente da experiência de Löw, Deschamps planeja não cometer o mesmo erro. Ele diz que seu maior medo agora é a complacência.

A questão é psicológica, de acordo com Deschamps, que diz que motivar os jogadores se torna mais difícil quando eles venceram o maior título do futebol. "Há um relaxamento natural, consciente ou inconsciente, mas ele acontece", disse Deschamps.

"Isso influencia tudo: esforço, determinação. Há um risco nisso". Ao selecionar seu elenco para a Copa do Mundo, Deschamps cortou cerca de uma dúzia de jogadores que participaram da final da Eurocopa de 2016. Agora, nos preparativos para a Eurocopa de 2020, ele diz que não hesitará em fazer o mesmo.

"Não se pode hesitar, mesmo que seja difícil dizer não", ele disse. "Muitas vezes é depois das maiores vitórias que cometemos os maiores erros. Acreditamos que estamos lá em cima, é ótimo, somos os melhores, tudo é maravilhoso, continuaremos vencendo. Mas não". "Há sempre mais", disse Deschamps.

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