'Menos é chato', dizia Robert Venturi, arquiteto do real
O que acontece dentro de um edifício em forma de pato? A venda de patos e seus respectivos ovos. Não parece óbvio? A forma da edificação é o anúncio mais evidente possível.
Foi constatando virtudes arquitetônicas em lugares insuspeitos que Robert Venturi, arquiteto americano morto há cinco dias, aos 93 anos, tornou-se um pensador singular dentre seus pares no século 20.
Ele rompeu com o padrão do modelo ideal de cidade (mudando o que existe em prol de uma visão moderna), e prestou atenção ao mundo real.
Desde os anos 1960, Bob Venturi transformou-se no grande antagonista dos cânones ditados pelos “heróis” arquitetônicos —Le Corbusier, Mies van der Rohe, Walter Gropius e suas trupes. Para os que visam um posicionamento crítico perante o status quo, é um libertador de amarras (e hoje é pouco lido nas fileiras acadêmicas brasileiras).
Venturi pertence ao gênero de arquitetos cuja obra edificada não chega a ter a força de seus escritos. É autor de dois livros imprescindíveis para a formação: “Complexidade e Contradição em Arquitetura” (246 págs., WMF Martins Fontes), de 1966, e “Aprendendo com Las Vegas” (216 págs., Cosac Naify), escrito com sua mulher e sócia, Denise Scott Brown, e Steven Izenour.
No primeiro livro faz uma taxativa e extensa contraposição aos que buscavam a síntese na pureza da ordem geométrica, no uso de materiais —a parede emassada em branco ou o concreto aparente— e no recorrente teto plano.
Demonstrava essa oposição com a erudição de quem faz uso de uma profusão de exemplos sem restrições temporais ou pudores regionalistas. Ia de igrejas de Borromini e Bernini em Roma, passando por sinagogas de madeira da Polônia do século 17, chegando a contemporâneos. Expunha sua veia polemista ao confrontar a famosa frase “Menos é mais”, de Mies van der Rohe, com um categórico “Menos é chato”.
Seu caráter irônico exacerbou-se no segundo livro ao analisar a Strip, a avenida principal de Las Vegas, com a importância que se dava a um templo grego. Havia algo de inusitado ao se apropriar de um caso a priori negativo.
Constatava-se que as edificações das grandes vias comerciais dos Estados Unidos não se pareciam com o que grandes arquitetos projetavam, mas continham soluções que funcionavam. Especialmente no simbolismo da forma arquitetônica e na comunicação com o consumidor.
Em paralelo, os autores tipificam o “galpão decorado”, edificações de maior ou menor porte, com ambientes internos e detalhes ordinários, mas que se destacam por grandes letreiros, reconhecíveis por quem está de carro. É uma ideia não tão diferente dos hipermercados atuais.
Se, por um lado, o livro antecipa a cidade atual dos vários atrativos visuais para o consumo, Las Vegas provia particularmente os néons coloridos e piscantes, por vezes, maiores até do que o próprio edifício. Esses letreiros eram engraçados, caricatos, cafonas e libidinosos. O insumo da pop art americana era transformado em exemplo arquitetônico.
Tais ideias se resumiam de diferentes modos nos projetos de Venturi.
Na residência que fez para a sua mãe, a Casa Vanna Venturi, usou s telhados inclinados e um decorativo arco sobre a porta. Já o asilo para idosos “Guild House” continha grande letreiro na fachada sobre imenso e desproporcional pilar na frente da porta.
Na ampliação da National Gallery de Londres, o casal Venturi e Scott Brown apropriou-se de elementos clássicos na fachada, de modo que o olhar desatento poderia considerar aquela uma construção centenária. Contudo, as pilastras não equidistantes e, por vezes, sobrepostas são os indícios de autoria recente.
Em 1991, Venturi ganhou a premiação máxima da arquitetura, o Pritzker —controversa por desconsiderar sua parceira amorosa, intelectual e profissional.
No mesmo ano, declarou “Não sou agora e nunca fui pós-modernista”. Em resposta aos estudiosos que o colocam como o mentor do pós-modernismo arquitetônico americano, ele sempre se posicionou acima de qualquer rótulo.