Metanfetamina é presente mais procurado na Coreia do Norte
Como muitas pessoas em todo o leste da Ásia, os norte-coreanos andam trocando presentes este mês para comemorar o Ano-Novo lunar.
Mas, em vez de chá, doces ou roupas, algumas pessoas neste país pobre e isolado presenteiam seus amigos com metanfetamina.
O consumo da droga —vista como responsável por crises de saúde e dependência em todo o mundo— seria um hábito corriqueiro na Coreia do Norte, assim como dá-lo de presente.
Consta que os usuários injetam ou cheiram a droga tão casualmente quanto fumariam um cigarro, com pouca consciência de suas qualidades viciantes ou seus efeitos destrutivos.
“Até recentemente, a metanfetamina era amplamente vista na Coreia do Norte como uma espécie de estimulante poderoso —algo como um Red Bull mais forte”, diz Andrei Lankov, da Universidade Kookmin, em Seul, Coreia do Sul.
Especialista na Coreia do Norte, ele dirige o site de notícias NK News. Segundo ele, essa visão equivocada revela como os riscos gerais do abuso de drogas são fortemente subestimados no país.
A metanfetamina foi introduzida na península coreana no período colonial japonês, no início do século 20, e desertores norte-coreanos revelaram que as forças armadas do Japão forneciam a droga a seus soldados nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial.
Muitos diplomatas norte-coreanos foram detidos no exterior desde a década de 1970 por tráfico de drogas.
Nos anos 1990, duas décadas depois de começar a promover o cultivo local de ópio e a produção de opiáceos, o governo norte-coreano começou a produzir metanfetamina para exportação, segundo estudo de 2014 da cientista política Sheena Chestnut Greitens, da Universidade do Missouri.
A metanfetamina pronta geralmente era enviada à China ou entregue no mar para organizações criminosas como as tríades chinesas ou a yakuza japonesa.
Mas, segundo o estudo, em meados da década de 2000 a produção de metanfetamina “claramente promovida e controlada” pelo governo começou a diminuir.
A queda na produção deixou um excedente de pessoas que sabiam manufaturar a droga. Muitas delas criaram laboratórios pequenos de metanfetamina e começaram a vender a droga no mercado local.
Diante da escassez crônica de remédios, tratamentos e equipamentos médicos na Coreia do Norte, muitas pessoas tomam opiáceos e estimulantes anfetamínicos, vistos como alternativas medicinais, afirma Greitens.
“A metanfetamina é altamente criadora de dependência. É fácil os usuários casuais da droga desenvolverem mais dependência em relativamente pouco tempo”, diz ela.
A popularidade da droga na Coreia do Norte como presente a ser dado no Ano-Novo lunar foi noticiada na semana passada pela Rádio Free Asia, financiada pelo governo americano.
A rádio citou várias fontes anônimas segundo as quais esse hábito seria especialmente comum entre os jovens norte-coreanos.
Não foi possível verificar independentemente o relato da Rádio Free Asia, e o governo norte-coreano nega há muito tempo que seus cidadãos consumam ou produzam metanfetamina.
“O consumo ilegal, tráfico e produção de drogas que reduzem seres humanos a aleijados mentais não existem na RDPC”, disse em 2013 a agência estatal de notícias da Coreia do Norte. A sigla representa o nome formal do país, República Democrática Popular da Coreia.
Mas especialistas dizem que o costume de dar metanfetamina em cristal como presente na Coreia do Norte —onde a droga é conhecida como “pingdu”, transliteração coreana de “droga de gelo” em chinês— é um segredo de polichinelo.
Teodora Gyupchanova, pesquisadora do Centro Database de Direitos Humanos Norte-Coreanos, em Seul, disse que muitos desertores entrevistados em 2016 falaram na metanfetamina como sendo um presente muito dado em aniversários, formaturas e “feriados como o Ano-Novo lunar”.
Lankov, da NK News, disse que as histórias sobre metanfetaminas dadas de presente eram muito comuns quando ele e um coautor entrevistaram desertores norte-coreanos em 2013 para um estudo sobre o consumo de drogas no país.
Segundo ele, a metanfetamina vem sendo menos mencionada por desertores desde então, fato que pode indicar uma queda em seu consumo.
Embora a metanfetamina seja ilegal na Coreia do Norte, na prática a droga já foi legalizada, como ocorre com outras atividades econômicas privadas no país, “porque as autoridades fazem vista grossa e o Estado se beneficia indiretamente de uma cadeia de subornos que sobe até os mais altos escalões”, diz o cientista político Justin Hastings, da Universidade de Sydney, na Austrália, que estuda as redes de narcotráfico norte-coreanas.
“Com o passar do tempo, isso levou a uma situação em que as pessoas se dispõem a correr riscos para ganhar dinheiro, enquanto a proibição oficial significa muito pouco”.
Tradução de Clara Allain