Meu marido, Carlos Ghosn, é inocente de todas as acusações, diz esposa em artigo ao Washington Post
Pouco antes do amanhecer, em 4 de abril, meu marido, Carlos Ghosn, e eu acordamos ao som de batidas ruidosas na porta de nosso apartamento em Tóquio. Mais de uma dúzia de representantes da procuradoria pública japonesa esperavam do outro lado. Logo invadiram o apartamento. Foi um choque para mim.
Nada poderia ter me preparado para o que aconteceu a seguir. Funcionários da procuradoria pública nos cercaram; estávamos os dois de pijama. Eles confiscaram meu celular, laptop, passaporte, diário e as cartas que escrevi ao meu marido durante seus 108 dias de prisão, iniciados no ano passado.
Fui tratada como criminosa, ainda que não seja suspeita de qualquer delito e não tenha sido acusada de coisa alguma. Uma mulher da promotoria me acompanhava ao banheiro cada vez que eu precisava usá-lo, e me revistava em cada ocasião. Ela permaneceu no banheiro quando me despi e enquanto eu tomava banho, e me entregou uma toalha quando saí do chuveiro.
A intenção da operação da procuradoria era clara: uma tentativa deliberada e desumana de nos humilhar, invadir nossa privacidade e violar nossa dignidade mais básica como seres humanos. Os procuradores impediram que eu ligasse para o meu advogado, e queriam me retirar do apartamento para interrogatório, mas me recusei a acompanhá-los.
Meu marido, ex-presidente dos conselhos da Nissan, Renault e Mitsubishi, foi preso e e acusado de delitos vagos e não substanciados envolvendo declaração de valores inferiores aos reais quanto a rendas que ele jamais recebeu, e de "violação de confiança qualificada".
Desde a manhã da operação, os procuradores o colocaram em confinamento solitário, com as luzes ligadas o dia inteiro, como se ele fosse um criminoso violento ou estivesse sob acusação de um crime grave. Ele vem sendo interrogado por horas a fio —e a qualquer momento do dia ou da noite—, sem acesso aos seus advogados.
Como cidadã dos Estados Unidos, estou horrorizada por descobrir que os direitos de que desfrutamos nos Estados Unidos não existem no Japão. O direito à presença de um advogado durante os interrogatórios, e todas as proteções que dele derivam, não existe no Japão. Uma pessoa pode ser detida por até 23 dias por suspeita de um delito, sem indiciamento ou qualquer acusação formal. Vim a descobrir que esse tratamento, que faz dos réus reféns, foi concebido para minar o espírito de um prisioneiro e coagi-lo a confessar.
Carlos tem 65 anos e é cidadão da França, Líbano e Brasil; foi detido inicialmente no final do ano passado, ao chegar ao Japão no final de uma viagem de negócios. Por boa parte de seu período de detenção, apenas pessoal diplomático e seus advogados japoneses puderam visitá-lo. Por fim, as autoridades determinaram uma fiança de US$ 9 milhões. Isso nos deu 29 dias de liberdade restrita, até que ouvimos aquelas batidas à porta em 4 de abril. Agora, estou preocupada com a saúde dele.
De acordo com o Journal du Dimanche e com o The Wall Street Journal, há emails que revelam a história real por trás do que está acontecendo. O Ministério da Economia, Comércio e Indústria do Japão estava trabalhando com executivos da Nissan para bloquear a fusão formal entre Nissan e Renault, favorecida por Carlos, e preservar a autonomia da Nissan a qualquer custo.
Um assunto que deveria ter sido decidido na sala do conselho da Nissan foi transformado em caso criminal.
Não tentarei caracterizar as acusações contra ele que circularam nos noticiários. Meu marido é inocente de todas. Seu amor pelo Japão —onde criou seus quatro filhos— e pela Nissan é bem conhecido.
Quase 20 anos atrás, Carlos deixou a França e foi ao Japão para tentar reverter a decadência de uma empresa fracassada que estava à beira da falência. A Nissan enfrentava problemas: suas vendas estavam em queda, empregos estavam em risco, sua fatia de mercado estava encolhendo, e novos concorrentes estavam agindo agressivamente para tomar seu espaço.
Carlos e as pessoas da Nissan fizeram escolhas difíceis. Aceitaram riscos. E se sacrificaram para ajudar o sucesso da companhia. Com certeza não foi fácil, e o processo foi demorado. Juntos, eles formaram alianças que expandiram o alcance mundial da Nissan. Abriram novos mercados e expandiram os mercados existentes. E reconstruíram uma companhia de sucesso capaz de enfrentar de igual para igual as melhores montadoras de automóveis do planeta.
Antes de sua prisão, Carlos estava planejando o futuro, e tomando decisões difíceis que posicionariam a Nissan para o sucesso na economia mundial. No entender dele, isso significava uma fusão com a Renault, uma fabricante de automóveis francesa. Pouco ele sabia que havia pessoas conspirando para impedir que isso acontecesse —mesmo que fazê-lo significasse que o futuro da Nissan provavelmente sofreria.
Dentro de apenas alguns dias, o presidente Trump receberá o primeiro-ministro japonês Shinzo Abe na Casa Branca. O comércio terá posição central na agenda do encontro. É difícil imaginar que Trump aceite com indiferença a interferência de um ministério do governo japonês nas decisões de negócios privadas de uma das montadoras de automóveis do país.
Espero e oro por uma intervenção do nosso presidente, e que ele peça que Abe permita que meu marido seja libertado sob fiança para que possa se preparar para seu julgamento.
Sei que um julgamento justo e honesto provaria que as acusações contra meu marido nada mais são que ataques infundados inspirados por ambições e temores empresariais.
Por favor, presidente Trump, por favor peça a Abe que resolva essa injustiça.
Carole Ghosn é mulher de Carlos Ghosn, ex-presidente dos conselhos da Renault, Nissan e Mitsubishi
The Washington Post, tradução de Paulo Migliacci