Milícias e políticos são suspeitos | Roubo de combustível triplica e gera milhões de prejuízo à Petrobras
O caminhão-tanque chega escoltado por homens fortemente armados em uma área próxima a um manguezal na Baixada Fluminense. É madrugada e os faróis são direcionados a uma espécie de torneira fixada a um duto. Sob a luz, os homens conectam a válvula à mangueira de sucção do caminhão-tanque, abastecendo-o com combustível roubado.
Nos últimos três anos, ações de quadrilhas especializadas em furtar óleo bruto e derivados diretamente de oleodutos aumentou 262% no país. Os cofres atingidos por perdas milionárias são os da Transpetro, subsidiária da Petrobras que opera uma malha com mais de 7.500 quilômetros de dutos.
Investigações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Rio de Janeiro revelam o envolvimento de quadrilhas no esquema ilegal que conta com refinarias para tratar o petróleo roubado.
Além dos prejuízos financeiros, as ações geram danos ao meio ambiente - como o vazamento de óleo que atingiu manguezais e parte da Baía de Guanabara, em dezembro passado, em Magé - e colocam em risco a vida de quem mora próximo às áreas cortadas pelos oleodutos.
De acordo com a promotora Simone Sibílio, do Gaeco, a perfuração de oleodutos para furtar combustíveis em países como Nigéria e México já resultaram em graves acidentes, com explosões e mortes. Em Duque de Caxias (RJ), município da Baixada Fluminense, favelas foram erguidas próximas à rede de oleodutos que abastece a Reduc, principal refinaria da Petrobras na Região Sudeste.
Pescadores e familiares de Magé (RJ) protestam contra vazamento de óleo que afetou os manguezais da Baía de Guanabara; segundo a Transpetro, uma subsidiária da Petrobras que atua no transporte e na logística de combustível no Brasil, o escapamento ocorreu após uma tentativa de furto de óleo Imagem: Tomaz Silva/Agência Brasil - 20.dez.2018
Núcleos específicos para cada etapa do crime
A promotora Simone, do Gaeco, acrescenta que nos últimos dois anos as quadrilhas passaram a atuar com um alto grau de organização e sofisticação.
A atividade ilegal desenvolvida pelas organizações criminosas tem núcleos específicos para cada etapa da operação: perfuração dos dutos, transporte em caminhões tanque, refino e revenda em postos de combustíveis. A reportagem teve acesso a um relatório elaborado pelo Disque-Denúncia com base em relatos sobre a ação desses grupos criminosos na Baixada Fluminense.
Nos últimos dois anos, Caxias ocupou o topo no ranking de denúncias sobre casos de furtos de combustíveis (110 denúncias), além da existência de depósitos clandestinos (51 denúncias) usados pelos paramilitares para armazenar e distribuir o produto roubado.
Denúncias de furto de combustível no RJ em 2017
Duque de Caxias: 70 denúncias (bairros mais citados: Jardim Primavera, Saracuruna, Pilar, Parque das Missões e Campos Elíseos)Magé: 6 denúncias (bairros: Suruí, Jardim Nazareno e Nova Marília)São Gonçalo: 2 denúncias (bairros: Zé Garoto e Sacramento)Denúncias de furto de combustível no RJ em 2018
Duque de Caxias: 40 (mesmos bairros de 2017)Magé: 2 (Suruí e Nova Marília)São Gonçalo: 0Fonte: Disque-Denúncia
O diretor do Disque-Denúncia, Zeca Borges, diz que as informações recebidas sobre furto de combustíveis estão relacionadas, em grande parte, à atuação de quadrilhas: "Os furtos geralmente são feitos a partir de desvios dos combustíveis diretamente dos dutos", ressalta.
Denúncias de depósitos clandestinos em 2017
Duque de Caxias: 19 (bairros: Saracuruna, Chácaras Arcampo, Pantanal, Jardim Primavera e Vila Maria Helena)Magé: 2 (Suruí e Citrolândia)São Gonçalo: 5 (Itaúna, Marambaia, Apolo 3, Sete Pontes, Antonina e Pacheco)Denúncias de depósitos clandestinos em 2018
Duque de Caxias: 32 (Jardim Primavera, Saracuruna, Pilar e Pantanal)Magé: 1 (Suruí)São Gonçalo: 1 (Marambaia)Fonte: Disque-Denúncia
Promotora não descarta envolvimento de políticos
De acordo com a promotora Simone Sibílio, do Ministério Público do Rio, além das duas quadrilhas já denunciadas à Justiça pelo Gaeco há outras investigações em andamento.
Em alguns casos, remanescentes dos dois grupos que permanecem foragidos continuam a operar o esquema ilegal, mantendo inclusive articulações nos estados da região Sudeste.
"Assim como acontece com outros grupos criminosos organizados, os envolvidos nesse tipo de crime se reorganizam para continuarem a praticar os furtos de combustíveis, sobretudo, diretamente dos oleodutos. A participação de milicianos já foi confirmada nas denúncias feitas à Justiça, mas não descartamos o envolvimento de políticos da região no esquema milionário", diz a promotora.
Nas duas denúncias feitas à Justiça 23 pessoas foram citadas como integrantes das duas quadrilhas. O principal suspeito de chefiar uma das quadrilhas, Denilson Peçanha, o Maninho, permanece foragido e contaria com proteção de policiais ligados a milícias.
Prejuízo de R$ 33,4 milhões em uma única operação
Em meio às investigações, os promotores conseguiram reunir provas da participação de um químico, empresários e técnicos em dutos. Duas refinarias regulares chegaram a ser usadas para tratar o óleo bruto desviado dos oleodutos.
Foi o caso da empresa Reoxil Reciclagem Indústria e Comércio de produtos químicos, no bairro Pilar, em Duque de Caxias. Num dos tanques da refinaria, policiais civis e promotores encontraram aproximadamente 30 mil litros de um óleo bruto produzido a partir do Oriente Médio (petróleo árabe leve). O produto foi receptado após ter sido furtado por meio de perfuração do duto da Petrobras.
Durante a operação, quatro caminhões-tanque foram apreendidos numa empresa de transporte também em Caxias. Os tanques estavam carregados com óleo diesel, que uma análise posterior confirmou ter sido produzido a partir do mesmo óleo bruto apreendido no tanque da refinaria.
O grupo mantinha ramificações em Minas Gerais e São Paulo, onde a refinaria CBR Indústria e Comércio de Resinas também dava suporte à operação ilegal. De acordo com a denúncia do MP, "são retirados aproximadamente 14,2 milhões de litros de combustíveis ao ano dos oleodutos da Transpetro para posterior revenda, causando um prejuízo de aproximadamente R$ 33,4 milhões".
De acordo com a promotora Simone Sibílio, as duas refinarias foram interditadas por determinação da Justiça do Rio e de São Paulo. A reportagem não conseguiu ouvir os responsáveis pelas refinarias.
Em dois anos, furtos subiram de 72 para 261
Apesar de admitir o crescente aumento das ações das quadrilhas, a Transpetro não informa detalhes sobre as áreas mais afetadas, o volume de óleo bruto e derivados furtados, nem das cifras geradas pelas perdas. Em 2016, por exemplo, foram registradas 72 dessas ações. No ano seguinte, o número subiu para 228 furtos e tentativas. Já no ano passado houve novo aumento, chegando a 261 ocorrências de furtos e tentativas, o que representa um crescimento de 262% em comparação com o ano de 2016.
Em nota, a companhia informa ser vítima de ações criminosas de furto de óleo e derivados e afirma colaborar com as autoridades.