Militares veem Guaidó enfraquecido, mas não descartam escalada da crise
A cúpula militar brasileira avalia que o movimento do opositor Juan Guaidó sofreu um forte revés ao longo da terça-feira (30), mas não descarta uma nova escalada na crise da Venezuela, inclusive considerando a hipótese de uma guerra civil no país vizinho.
A Folha apurou com membros dos Altos Comandos das Forças a avaliação de que a adesão de militares de patentes baixas e intermediárias gerou a expectativa de que a cúpula chavista se virasse contra o ditador Nicolás Maduro.
Coube ao general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, externar a análise parcial.
“No início da manhã, não se percebeu movimentação militar, mas foi anunciado pelo Guaidó um maciço apoio das Forças Armadas. Logo depois isso foi colocado na dimensão correta: havia um certo apoio das Forças Armadas, mas isso não chegava a atingir os altos escalões, ficava ali no escalão mais baixo”, disse.
“O que tem parecido é que esse apoio [dos militares a Guaidó] talvez tenha algum valor quantitativo, mas qualitativo ele ainda não foi expressado. Não teve nenhum chefe militar a que a gente tenha assistido ou ouvido dando um apoio explícito ao presidente Guaidó”, afirmou.
Para ele, “a gente tem a sensação de que o lado do Guaidó é fraco militarmente”.
A libertação do opositor Leopoldo López pegou de surpresa os militares e diplomatas especializados na região. Segundo um general, ao fim do dia a aparência foi a de um golpe malsucedido, mas a situação permanecia fluida.
Isso não significa que o risco de um conflito entre apoiadores e opositores de Maduro não continue no radar. O general disse que o embate direto entre militares elevou o patamar da crise.
Se a persistência de Maduro no poder desagrada o presidente Jair Bolsonaro (PSL), ela também dá argumentos à defesa que a ala militar faz de evitar qualquer tipo de intervenção na crise venezuelana.
As divergências internas estavam representadas na reunião que Bolsonaro convocou para discutir o caso.
A ala dita ideológica de seu governo estava representada por Ernesto Araújo, o chanceler indicado pelo escritor Olavo de Carvalho e cuja nomeação foi aprovada por Eduardo, o filho de Bolsonaro que é deputado federal (PSL-SP) e atua na área internacional.
O Itamaraty liderou a guinada mais radical de oposição a Maduro, iniciada já no governo de Michel Temer (MDB). O país apoiou o pleito de Guaidó de ser presidente interino e deixou de reconhecer o ditador como presidente legítimo, em linha com o que prega o americano Donald Trump, com quem a ala é afinada.
Se não advoga abertamente uma ação militar contra Maduro, a ala busca agudizar ao máximo o conflito.
Oposto a ele está o vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB), que é visto como autoridade no país vizinho por ter sido adido militar em Caracas por dois anos, no começo da era Hugo Chávez.
Ele se opõe tanto à ditadura de Maduro, que considera acabada, quanto às sugestões de intervenção. A seu lado ficou Heleno. Ao ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, cabe o papel de conciliador —afinal de contas, será na sua conta que cairá a fatura real da evolução da disputa.
Na semana passada, Bolsonaro foi forçado pelos militares a publicar nota desautorizando Olavo, devido às críticas feitas pelo escritor a Mourão. Nesta terça, o presidente republicou uma postagem do ideólogo do bolsonarismo reclamando do uso da palavra golpe para caracterizar o movimento contra Maduro.
Em meio a tanto vaivém, uma coisa é certa: os militares brasileiros seguem contrários à ideia de forçar a mudança de regime —um desejo de Trump que encontra vários partidários na vizinha Colômbia e também no bolsonarismo, em especial seu núcleo olavista.
O próprio Heleno afirmou que não há solução de curto prazo à vista para a disputa, apesar dos sobressaltos.
É possível que haja movimentações na área de fronteira, preventivas, em caso de retomada da escalada da crise.
Segundo um comandante militar que discutiu o assunto ao longo da terça, o plano de contingência inclui o deslocamento de uma brigada mecanizada com apoio de blindados e artilharia antiaérea para região da fronteira em Roraima, estado que só tem cerca de 700 militares.
Mas mesmo isso é meramente uma hipótese neste momento, dado que tudo dependerá do desenvolvimento da situação em Caracas. O próprio destino de Guaidó parece incerto.
Na cúpula militar, há a expectativa sobre uma manifestação mais incisiva da ONU (Organização das Nações Unidas) e especula-se sobre o eventual uso de uma força de manutenção da paz no futuro, o que esbarra o apoio que Maduro tem de dois dos cinco membros do Conselho de Segurança da entidade, Rússia e China.