Moda investe na arte para manter sua relevância, e os acervos, de pé
Quanto custa restaurar a tela “Vaso com Doze Girassóis” (1888), de Van Gogh? E quanto dinheiro se despeja para manter holofotes sobre uma marca, nascida nos pés dos skatistas californianos, que enfrenta a concorrência de jovens gigantes da moda urbana, como a Supreme? “Muito” seria eufemismo.
Essa equação milionária consagrou nas vitrines brasileiras, na semana passada, um tipo de mecenato no qual museus de todo o mundo se fiam desde a virada do século, a fim de custear a conservação de suas relíquias e, também, para manter o apoio à produção de jovens artistas.
A grife Vans se uniu ao Museu Van Gogh, de Amsterdã, para lançar uma coleção que reproduz, em moletons, camisetas e seus famosos “slip on” —tênis baixos com solado de borracha—, quadros e cartas importantes da trajetória do pintor impressionista.
As pinceladas irregulares dos girassóis e de telas como “Amendoeira em Flor” (1890) e “Vinha Velha com Mulher Camponesa” (1890) são de domínio público, mas a marca preferiu oficializar a parceria e reverter os lucros para o museu. Não é bom-mocismo.
Ao vincular o nome da marca ao do pintor, a grife agrega à coleção um “conceito de exclusividade que as artes visuais propiciam”, segundo define a diretora global se calçados da Vans, Diandre Fuentes.
“A história de resiliência de Van Gogh [que morreu pobre e não conseguia viver de seu trabalho] pode ser inspiradora para os jovens”, afirma.
À frente do projeto está o diretor do museu, Axel Rüger, celebridade no meio artístico e responsável por abrir o legado do pintor holandês para os cineastas Dorota Kobiela e Hugh Welchman, indicados ao Oscar deste ano pela animação “Com Amor, Van Gogh”.
“Para nós, que vivemos de incentivos para manter atividades, parcerias são vitais. Do ponto de vista do legado, curadores precisam manter vivo o interesse das novas gerações acerca da história dos artistas clássicos”, diz Rüger à Folha.
Não foi aleatória a seleção de obras, muitas desconhecidas do grande público. “A coleção tem um papel educativo, porque não estamos falando de ‘Noite Estrelada’, mas de obras pouco exploradas”, explica Rüger.
No site da marca estão esgotados os “slip on” que reproduzem versões de “Caveira” e a carta enviada pelo artista ao irmão. Ainda há bonés (R$ 190) e tênis que estampam “Vinha Velha” a R$ 400, e “Autorretrato”, vendido a R$ 350.
A relação entre arte e moda tem se feito cada vez mais presente, com grifes investindo em espaços próprios, assinados por arquitetos como Frank Gehry, que desenhou o prédio da Fundação Louis Vuitton, em Paris, ou Rem Koolhaas, que concebeu o da Fundação Prada, em Milão.
Esses centros culturais abrigam a produção de artistas contemporâneos e apoiam a exibição de jovens criadores, outro mantra associado a esse tipo de gestão cultural promovida pelas marcas.
Em parceria com a Fundação Guggenheim, de Nova York, a alemã Hugo Boss premia com R$ 450.000 o artista vencedor do Art Prize.
Do outro lado do Atlântico, a suíça Rolex mantém, além do patrocínio à Bienal de Arquitetura de Veneza, uma lista de protegidos, jovens que viajam para participar de residências com artistas famosos.
Durante a Bienal de São Paulo, em setembro, a marca alemã Montblanc entregará à brasileira Mônica Nador cerca de R$ 74.000. O nome da artista figura na lista de 17 beneficiados pelo Prêmio Montblanc de Cultura.
Nador criou o Jardim Miriam Arte Clube, no bairro da zona sul de São Paulo, que organiza eventos culturais para pessoas do entorno.
A ajuda da Montblanc é um dos poucos exemplos de integração entre a cultura brasileira e a carteira da moda.
Houve ainda o incentivo da Louis Vuitton à programação do MAC de Niterói, em 2016, como contrapartida a um desfile da grife, e o patrocínio de R$ 300 mil da suíça Jaeger-LeCoultre à Osesp, em 2013. Mas são esparsos exemplos de mostras, restaurações ou prêmios promovidos por etiquetas nacionais ou estrangeiras.
O Masp tentou recriar a exposição Masp Rhodia, que convidou nos anos 1960 estilistas a transformarem em roupas obras de arte, nos moldes da parceria entre a Vans e o Museu Van Gogh.
Não conseguiu, como adiantou a Folha em dezembro, devido ao posicionamento político do patrocinador, o empresário Flávio Rocha, da rede de lojas Riachuelo.
À época, artistas como Iran do Espírito Santo e Caetano de Almeida fizeram parte da debandada em massa do projeto após Rocha anunciar apoio a movimentos ligados à direita como o MBL e ao PRB (Partido Republicano Brasileiro).
Diretora do museu, Juliana Sá não desistiu da mostra e diz que ela sairá do papel.
“É um caminho sem volta. O melhor exemplo do potencial de financiamento privado à arte é o baile anual do Metropolitan. As marcas perceberam que, entre patrocinar um time de futebol e um museu, há uma grande diferença de valor agregado.”
O jornalista viajou a convite da Vans