Morador da Califórnia conta como escapou três vezes de incêndios florestais em um ano

Leia o depoimento de Grant Denham, investidor imobiliário em Malibu, na Califórnia, sobre o incêndio florestal que o fez sair às pressas de casa.

 

"Na manhã do último dia 9, minha mulher e eu despertamos por volta das 6h30, como sempre. Nosso filho Jakey, 3, havia acordado. Na tarde anterior, eu tinha visto fumaça na estrada, ao voltar de Santa Barbara, na Califórnia, mas não pensei muito nisso. À noite, alguns amigos mandaram mensagens para checar se estávamos bem. Ligamos a TV para verificar o avanço do incêndio no noticiário local. Em uma hora tinha sido anunciada uma ordem de evacuação forçada.

Nosso vizinho da frente nos disse que ele e sua mulher iam ficar: tinham uma casa anti-incêndio, e ele é bombeiro voluntário com certa experiência em controlar incêndios no mato. Não fosse pela segurança de minha família, eu também seria tentado a ficar. Mas nossa casa se situa num pequeno vale, cercada de morros e montanhas cobertas de capim seco —em outras palavras, muito combustível. O incêndio desceria pelos dois lados e seria quase impossível de conter. Com os ventos de Santa Ana tão fortes neste ano, o bairro inteiro poderia queimar.

 

 

Juntamos nossos passaportes, certidões de nascimento e computadores, e o máximo de roupas e fraldas para Jakey que couberam em nosso carro. Também pegamos um brinquedo dele —um caminhão de bombeiros, na verdade, que sua avó Nina lhe deu de presente. Saímos o mais rápido que pudemos. Lá fora, o céu estava laranja e enfumaçado. Parecia que choviam cinzas.

Chegamos à Rodovia da Costa do Pacífico e rumamos ao sul, para Santa Monica. A estrada parecia um estacionamento: congestionamento total, os carros movendo-se centímetros de cada vez. Não tínhamos ideia de quanto tempo levaríamos para chegar à segurança da casa de meus cunhados em Beverly Hills. Ficamos sentados ali no tráfego tentando acalmar nossas mentes. Pensamos: como isso podia estar acontecendo? Já passamos por isso duas vezes.

Quase um ano atrás, no início de dezembro, tivemos de deixar nossa casa em Bel Air. Acordamos às 4h com o som de sirenes que passavam correndo. Um incêndio numa reserva natural estava descontrolado. As chamas iluminavam o céu. Pensamos naquilo como um desastre —revendo tudo hoje, foi extremamente limitado.

Um mês depois, mudamo-nos para 130 km ao norte, em Montecito, que tinha acabado de sofrer o incêndio Thomas. Uma semana depois de mudarmos houve uma chuva torrencial, incomum naquela área. Por volta das 3h de 9 de janeiro começou o deslizamento de terra. A inundação parecia um trovão. Árvores e rochas maiores que carros desciam da montanha a 60 km por hora, simplesmente destruindo tudo no caminho.

Nossa rua, a Olive Mill Road, parecia uma artéria para toda a lama e os detritos que estavam na superfície dos morros. De manhã, tentei andar lá fora para observar a cena. No final de nossa rua, vi carros que desceram com a enxurrada —e alguns corpos de pessoas que tinham sido mortas. A lama tinha 1,20 metro de profundidade, as ruas estavam bloqueadas. Primeiro a energia foi desligada, depois a água. Felizmente, tínhamos bastante comida na despensa e lanternas que funcionavam. Ficamos presos por quatro dias antes de podermos sair. Lá fora parecia uma zona de guerra de filme.

Depois que saímos, ficamos com meu irmão e minha cunhada e em diversos hotéis e Airbnbs. Em abril, decidimos comprar uma casa em Malibu —meu trabalho era em Santa Barbara, mas queríamos deixar aquelas lembranças para trás. Malibu parecia um bom lugar: não muito longe do trabalho e perto da família de minha mulher. O bairro era especial. De casa, podíamos ouvir as ondas do mar à noite.

Na última sexta, tivemos de abandonar essa casa. Ficamos presos na estrada durante cinco a seis horas. A certa altura, paramos para jogar a fralda de Jakey numa lata de lixo na praia. Foi quando minha mulher abriu o teto solar e tirou uma foto da vista: um muro de fumaça atrás de nós. Quando a postamos na rede social, a imagem viralizou. Depois que chegamos a um lugar seguro, ver aquela foto por toda a internet e no noticiário fez nossa experiência parecer ainda mais irreal.

No início desta semana, consegui dirigir até Malibu para verificar os danos. A polícia estava estacionada no bairro para impedir invasões ou saques. Enquanto eu descia a rua até o final, a destruição parecia totalmente aleatória. Você via três casas seguidas queimadas, depois uma que parecia perfeita. Fiquei aliviado ao ver que a nossa continuava de pé.

Não sabemos ainda quando a cidade abrirá as ruas e religará a energia. Mas certamente pretendemos voltar à nossa casa e ficar lá. Existe o potencial de desastres naturais em qualquer lugar. Não há uma utopia aonde você possa ficar totalmente a salvo de um tornado ou uma inundação. Os desastres são aleatórios. E em Malibu, agora que todos os morros estão queimados, não haverá capim para alimentar um incêndio como aquele.

Eu não relaciono necessariamente esses desastres à mudança climática. Incêndios estão sempre acontecendo. Alguns são causados pelo homem. Em condições secas, eles ficam fora de controle. Mas estar no lugar errado na hora errada tantas vezes, em um período tão curto, é uma loucura para mim."

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