Mulheres são cruéis
Gostaria de dizer que não me choca mais ver mulheres se referindo a outras como putas, vadias, idiotas, otárias. Que não me dói mais serem culpadas por outras mulheres quando são espancadas, queimadas, mortas, estupradas, mutiladas. Que não me causa espanto quando são acusadas de serem as responsáveis pela destruição de lares.
Eu queria acreditar que haverá sempre um olhar com um pouco de empatia por alguém semelhante, mas a severidade dos julgamentos com os quais me deparo sempre me chama para a realidade. Mulheres são muito cruéis com elas mesmas.
Em menos de uma semana vimos três episódios que nos dão a dimensão do inferno que é ser mulher. Falo isso não porque a minha vida seja difícil, mas porque tento o tempo todo me colocar no lugar das outras que talvez não tenham tido a mesma estrutura familiar, o mesmo preparo, a mesma personalidade e a mesma sorte.
Primeiro vimos uma mãe ser acusada de negligente, de irresponsável, por ter levado o filho, ainda bebê, num jogo de futebol marcado pela violência entre a torcida do Vasco e a polícia. Na imagem que correu a internet, a mulher foge, desesperada, com a criança no colo. Nenhuma palavra sobre o pai que, tudo indica, era o homem que aparece ao lado dela com uma bolsa de bebê na mão. Nenhuma. Das coisas mais horrorosas que vejo desde sempre é o dedo na cara de mães para outras mães.
Em outro episódio, uma mulher é espancada durante quatro horas dentro do próprio apartamento. Mas o problema, segundo a turba, incluindo a ala feminina, foi ela usar aplicativo de relacionamento, levar um cara para dentro de casa, se relacionar com alguém mais jovem. A culpa é dela porque, veja que coisa grave, quis namorar.
E, por último, uma história idiota, mas igualmente triste em relação ao julgamento. Um casal famoso se separa por causa de uma traição. De quem é culpa? Quem está sendo criticada, acusada de vilã, vendo as “amigas” virarem as costas? A mulher apontada como a razão da pulada de cerca. Daqui a pouco ninguém mais se lembra do moço, o único que tinha de fato compromisso e responsabilidade por aquele casamento, agora desfeito. Mas da “vagaba”, que destruiu a história dos pombinhos, ninguém mais esquece.
O que entristece demais é que o coro do julgamento cresce por causa das vozes femininas que se levantam. Ressoam muito mais alto do que aquelas que pregam que precisamos cada vez mais nos colocar no lugar do outro, principalmente se o outro é alguém da mesma condição: é mulher.
A realidade é que mulheres não são melhores pessoas apenas porque são mulheres, não vêm de fábrica com o sentimento de empatia embutido. Aquele que ganhou um nome um tanto bonito, mas que segue com uso quase sempre restrito às mulheres das nossas bolhas. Sororidade para as minhas amigas. Às outras, o ferro e o fogo da inquisição.
O conceito de sororidade é uma coisa linda quando falamos sobre ele, mas é um lembrete de que precisamos de uma palavra para tentar criar um sentimento de irmandade, que deveria ser espontâneo. A conclusão é que somos incompetentes demais em ser amorosas com a próxima.
Sim, ainda me choco e sofro ao ver como maltratamos nossas iguais. Ao longo da vida tive inúmeros exemplos de que ser mulher não me garante tratamento nem ao menos justo por parte de outras. Em alguns dos piores momentos os meus algozes foram mulheres, inclusive algumas para quem estendi a mão, e também aquele tipo que tem o discurso da sororidade na ponta da língua. Levei rasteira, chifre, fui julgada, xingada, desmerecida, iludida.
Por outro lado, tenho sorte de ter encontrado pelo caminho algumas das mulheres mais generosas, parceiras, solidárias e justas. O que me faz acreditar que talvez daqui a uns 100 anos, numa outra vida (para quem acredita nelas), numa outra dimensão, nós mulheres consigamos entender que #juntassomosmaisfortes não é só uma hashtag para ilustrar meme, mas um movimento que poderia transformar nossas vidas.