Na encruzilhada, um grande fracasso espreita o Brasil
Veneza já foi um dos locais mais ricos da Terra. No século 10, com a chegada de novos negociantes e mecanismos que limitavam o poder dos dodge, a cidade prosperou por três séculos até iniciar longa decadência que a transformaria num museu improdutivo lotado de turistas.
O declínio começou em 1286, quando seus líderes instituíram a La Serrata, lei que limitou a ascensão de novos empreendedores ao poder político. Fechada e cheia de privilégios, a elite sugou para si a riqueza e afastou potenciais concorrentes.
“Por que as nações fracassam”, de Daron Acemoglu e James Robinson, com tradução disponível em português, é repleto de histórias assim.
Contam desde como a descoberta da América levou a Espanha extrativista à decadência e a Inglaterra à revolução industrial a de que maneira um evento disruptivo como a peste negra no século 14 conduziu alguns países ao progresso e outros ao atraso.
Nada disso foi obra do destino, mas resultado de tipos de resposta aos eventos, da representação política em cada país e, acima de tudo, da extensão dos privilégios das elites.
No original, o livro usa a feliz expressão “critical juncture” (algo como “encruzilhada crítica”) para pontuar ocasiões onde alguns países tomaram uma decisão, geralmente forçada pela conjuntura histórica, que os levaria a longos períodos de sucesso ou fracasso.
Se pensarmos no Brasil pós redemocratização, o Plano Real em 1994 talvez tenha sido o único evento definidor, em termos positivos, de nosso futuro. Apesar da oposição do PT e de Jair Bolsonaro à época, foi ele quem nos afastou, em um momento crítico, do abismo da hiperinflação e segurou as pontas nos últimos 25 anos.
A atual conjuntura imposta pelo aumento da expectativa de vida e a falência de um estado cheio de privilégios nos colocou diante de outra encruzilhada.
Coube a um governo retrógrado a tarefa de encaminhar um projeto de reforma de nosso sistema previdenciário. Mas a decisão final será do Congresso, alvo daqui em diante de pressões de funcionários nos governos federal, estadual e municipal.
Juntos, esses três níveis de governo reúnem menos de 12% dos beneficiários da Previdência, mas que se apropriam de quase 40% dos benefícios.
Essa elite vai espernear, pressionando o Congresso e as ruas, e a sociedade deveria estar atenta para não passar por inocente útil ao defender o indefensável —e deixar de considerar que os mais pobres já se aposentam com exigências próximas às da reforma.
A boa notícia é que mais da metade dos parlamentares que votará a Previdência não participou da legislatura anterior. E que um quarto deles nunca exerceu um cargo eletivo.
Se a história ensina algo sobre o fim de privilégios, é que isso não se dá pelo interesse dos que há muito participam do sistema.
A secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia tem feito projeções sobre como podem evoluir os principais indicadores com e sem a reforma da Previdência.
Um ciclo vicioso nos espreita: aumento do déficit e do endividamento que levariam à alta dos juros e a um crescimento menor que deprimiria a arrecadação, reforçando o aumento do déficit –e assim sucessivamente.
“Encruzilhada crítica” é isso.