Único clássico de São Paulo com duas torcidas tem só dois visitantes

Dois policiais fazem a segurança do portão da torcida visitante na rua dos Trilhos, na Mooca. A entrada fica do lado oposto à principal no estádio Conde Rodolfo Crespi, conhecido como rua Javari.

"Não veio ninguém aqui ainda", afirma um deles.

Faltam 30 minutos para o início do jogo entre o time da casa e o Nacional, o único clássico da capital paulista em que a presença de torcedores dos dois clubes é permitida.

A partida é válida pela Copa Paulista, torneio organizado pela Federação Paulista para manter os pequenos em atividade no segundo semestre. Campeão e vice podem escolher entre disputar a Série D do Brasileiro ou a Copa do Brasil no ano seguinte.

O clássico Juvenal, como é conhecido, é dos mais tradicionais do Estado. Dentro da Javari, a Setor 2, torcida do Juventus, já canta: "Nacional, a sua torcida é muda e a nossa não vai parar."

Quando o árbitro Alessandro Darcie apitou o início da partida, a organizada Almanac (Alma Nacional) estava presente. A "caravana" era composta pelos estudantes de jornalismo Murilo Sarro e João Guilherme Portella, ambos de 22 anos. Chegaram apressados, de Uber, com receio de emboscada dos adversários que não aconteceu.

"A torcida deles [Juventus] tem sofrido influência de outras de equipes grandes. Já houve problemas em clássicos anteriores", constata Sarro.

Em outros jogos como visitante, o Nacional levou 30 pessoas. Contra o Juventus, apenas os dois tiveram o privilégio de estar na casa do rival.

O policiamento não viu qualquer risco na partida e manteve as ruas próximas ao estádio abertas para o tráfego. A medida de segurança pode parecer incomum em um torneio como a Copa Paulista, mas já aconteceu em confronto do Juventus contra a Portuguesa, por exemplo.

Os clássicos de São Paulo não têm torcida visitante desde abril de 2016, quando confronto entre integrantes da Mancha Alvi Verde, do Palmeiras, e Gaviões da Fiel, do Corinthians, deixou dezenas de feridos e um morto.

Levantamento da Polícia Militar aponta que houve redução no número de brigas ao mesmo tempo em que diminuiu o total de escoltas, policiais nos estádios e nos arredores após o veto. O Ministério Público considera a medida irreversível.

Nos primeiros meses, a decisão valia para os jogos que envolviam Corinthians, Palmeiras, Santos e São Paulo. Depois foi estendida para o dérbi de Campinas, entre Guarani e Ponte Preta.

"É uma medida cega. As brigas hoje em dia acontecem, mas longe dos estádios. Isso [proibição de torcida visitante] é preguiça do Ministério Público", diz Sarro, que se orgulha de ter ido a todas as partidas do Nacional neste ano.

Os dois afirmam nunca terem brigado por causa do Nacional porque "não foi preciso". Creditam ao medo de problemas com os juventinos e ao horário do jogo (15h) o número reduzido de torcedores do time.

O público total foi de 816 pagantes.

Disputada desde 1936, a partida envolve rivalidade entre bairros da capital paulista. Da Barra Funda (zona oeste de São Paulo), onde está o Nacional, contra a Mooca, centro-leste, do Juventus.

"Daria a vida para te ver jogar", canta parte da torcida da casa, em uma das músicas inspiradas em cantos de de times argentinos. No caso, a "otra vez en primera van a ver a papá", do All Boys, hoje na terceira divisão do país.

Para provocar, Portella se vira para os adversários e coloca a mão em forma de concha atrás da orelha, como se não conseguisse escutá-los.

"Para com isso. Depois a gente vai ter problema para ir embora", repreende o amigo. "Tá bom. Vou parar."

A dupla privilegiada por ver um clássico como visitante se irrita com os constantes erros de passe dos jogadores, assim como se decepcionaria com a vitória do Juventus por 1 a 0, que classificou a equipe da Mooca para a segunda fase da Copa Paulista e eliminou o Nacional.

"Quando a gente foi campeão da Série A3 [a terceira divisão do Estadual, em 2017], fomos jogar a final em Limeira e estávamos em 30 pessoas. O estádio estava lotado com 20 mil. Cara, isso é bacana! Talvez este seja o propósito de ser torcedor", afirma Portella.

"Em um clube grande, se você não for no jogo, não faz a menor diferença. Se eu não estiver na partida do Nacional, isso faz diferença. Se você torce pelo Nacional, faz parte do espetáculo", diz Sarro.

Após o apito final, eles colocam em prática o plano de retirada: sacar o celular e chamar outro Uber. Sarro veste a camisa do Nacional. Portella está "à paisana", como ele mesmo define, para não chamar a atenção dos torcedores rivais.

Neste sábado (22), quando o time se despede da Copa Paulista em casa contra o Atibaia, os dois disseram que estarão presentes. Porque torcer pelos grandes do Estado é fácil. Fiéis, na verdade, são eles por seguirem o clube da Comendador Sousa.

Mas eles não eram os únicos no largo espaço separado para a torcida visitante. Havia também Marcos Vinicius Simoni, 69, que passou o jogo sentado sozinho e calado.

"Eu não torço para o Nacional. Sou corintiano. Moro aqui, do lado deste portão dos visitantes. Vou dar a volta no estádio para ir à entrada principal para quê?"

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