Nike rasgado, LeBron barrado e outras histórias do fenômeno Zion
A lenda de Zion Williamson ganha força a cada jogo, hoje em dia –a cada enterrada estrondosa e a cada nova façanha de impulsão. Isso já vem acontecendo há alguns anos, e Williamson se tornou o protagonista de uma coleção crescente de vídeos virais que mostram um jogador com talento para correr mais que os rivais, apanhar quase qualquer passe, desafiar quase qualquer marcador.
Mesmo os seus piores momentos –o tênis que não conseguiu suportar sua força, o joelho lesionado que lhe custou cinco partidas fora das quadras– terminaram se transformando em destaques. Mas Williamson, 18, calouro na equipe da Universidade Duke, vem criando momentos memoráveis há anos. Um grupo de repórteres do jornal americano The New York Times que os testemunharam fala sobre as lembranças mais duradouras.
O dia em que o especialista em recrutamento se enganou
Você precisa perdoar Tom Konchalski.
O editor do boletim noticioso High School Basketball Illustrated, que cobre o basquete nas escolas de segundo grau dos Estados Unidos, viu Zion Williamson em pessoa pela primeira vez no Elite 24, um evento juvenil que reúne os melhores jogadores pré-universitários de basquete americanos, em 20 de agosto de 2016. A quadra no píer 2 do Brooklyn Bridge Park serviu de cenário, e Williamson acertou os 10 arremessos que fez de quadra, marcou 23 pontos e dividiu o prêmio de melhor da partida. Konchalski ficou impressionado.
Para o olhar bem treinado de Konchalski –em cinco décadas ele acumulou um acervo de observações que abarca de Michael Jordan a LeBron James–, Williamson, que tinha acabado de fazer 16 anos, pareceu ser um especialista apenas razoável, um jogador que avançava sobre o marcador para chegar à cesta e concluir com bandejas discretas. Por causa do tipo físico de Williamson, Konchalski o via como uma versão canhota de Jamal Mashburn - um jogador corpulento, oriundo do Bronx, que ficou 11 temporadas na NBA.
Quando Konchalski se sentou à máquina de escrever depois do Elite 24 para descrever os esforços de Williamson, afirmou que "Zion Williamson, aluno de segundo ano e um jogador de 1,96 m, é o mestre do domínio discreto, e sua presença foi refrescante".
Em retrospecto, Konchalski afirma agora que entendeu tudo errado.
"Passei muita vergonha com o que escrevi", ele disse. Williamson, acrescenta, é "qualquer coisa menos discreto".
O dia em que não deixaram LeBron entrar
Da primeira vez que LeBron James apareceu para assistir a uma partida de Zion Williamson, o astro da NBA foi barrado na porta.
Isso aconteceu em julho de 2017, e James –um talento igualmente transcendental nos seus anos de adolescência– apareceu para ver Williamson, seu provável sucessor, em uma partida de demonstração do time do jovem, o South Carolina Supreme, em Las Vegas. A equipe enfrentava o Big Baller Brand, que contava com LaMelo Ball, irmão de Lonzo Ball, hoje armador do Los Angeles Lakers. Era um evento obrigatório, em termos de basquete juvenil.
James, é claro, não era o único interessado naquela confluência de possíveis astros futuros do basquete. Damian Lillard, Andrew Wiggins, Jamal Murray e Thon Maker, todos os jogadores da NBA, estavam na arquibancada quando James chegou, dando peso a uma plateia de mais de 4.000 espectadores que parecia a ponto de invadir a quadra, em um ginásio configurado para menos de metade desse público.
A empolgação era palpável já no aquecimento. Os torcedores lançavam exclamações de entusiasmo quando Williamson jogava bolas para cima e fazia enterradas; muita gente tinha o celular em mãos para gravar vídeos de uma cena que foi descrita como "o jogo mais louco que já aconteceu na AAU" [União Atlética Amadora].
Mas James não conseguiu ver o jogo. Com a plateia superlotada e torcedores quase se esparramando na quadra de todos os lados, ele e seus acompanhantes foram informados de que autorizar a entrada do grupo no ginásio seria um risco de segurança. O adolescente em quadra parecia ter eclipsado o maior astro do basquete, e James foi informado de que não havia lugar para ele.
"Nós o barramos", disse um executivo de marketing da Adidas à rede de TV CBS. "Havia 500 pessoas em cada canto da quadra. A coisa toda estava uma loucura".
James teria de esperar mais 18 meses para ver Williamson ao vivo. Em fevereiro, ele fez um voo de 35 minutos de Filadélfia a Charlottesville, Virgínia, e assistiu da beira da quadra os 18 pontos, cinco rebotes e cinco assistências de Williamson em uma vitória da Universidade Duke sobre a Universidade da Virgínia. A capacidade atlética de Williamson, disse James, é "ridícula".
O dia em que um passe por baixo se transformou em uma enterrada
Bishop Richardson vinha fazendo em média três passes "ponte aérea" por partida para Williamson a cada jogo de seu time, o Spartanburg Day School, quando eles chegaram para uma partida contra a Ben Lippen School, de Columbia, Carolina do Sul, durante o terceiro ano de Williamson na escola.
Williamson fazia muitas enterradas, na época; no primeiro tempo do jogo, fez duas delas, chocando o ginásio. "Lembro vividamente do que aconteceu", disse Williamson na semana passada. "A torcida deles estava realmente participando do jogo, falando muito".
Mas o ponto alto da partida ainda estava por vir. Com Spartanburg à frente por 39 pontos, Richardson, um armador magricelo que estava na equipe titular da escola desde a oitava série, se viu avançando sem marcação pela ala direita quando percebeu Williamson se aproximar ameaçadoramente da cesta pelo lado oposto. Tentou um passe por baixo, sabendo que não precisava fazer uma jogada perfeita.
"Bastava colocar a bola mais ou menos perto do aro", disse Richardson, "e ele se garantia".
Na ocasião, a bola de Richardson chegou bem abaixo do aro. Mas isso permitiu que Williamson fizesse uma jogada quase inacreditável: ele subiu muito alto, apanhou o passe com as duas mãos à altura dos ombros e –ainda subindo, alto o bastante para olhar de cima o aro que estava prestes a abalar– fez um movimento circular largo que levou a bola à altura de sua cintura e depois de novo para cima, do lado esquerdo de seu corpo, para uma enterrada gigante com a mão esquerda.
A torcida explodiu.
"Lembro-me de ter pensado que nunca tinha visto alguém fazer jogada parecida", disse Richardson, "As pessoas quase caíram da arquibancada".
A enterrada foi mostrada nas reportagens esportivas nacionais, dentro de algumas horas, mas Richardson só viu um replay no dia seguinte, quando o pessoal do time se reuniu na sala de aula.
"Eu bem que gostaria de assumir o crédito pela jogada", disse Richardson, "mas foi completamente acidental".
O dia em que a impulsão vertical dele ficou fora da escala
A impulsão vertical é medida com uma engenhoca simples: um mastro alto com uma série de longos braços metálicos que se projetam horizontalmente dele –como asas fininhas empilhadas a intervalos regulares. Pode parecer um jeito precário de medir, mas é à prova de erros: a impulsão vertical de um atleta é calculada com base no braço mais alto que ele consegue tirar de sua posição inicial. Basta subtrair o número assim obtido do alcance vertical do jogador plantado e você tem a impulsão vertical.
Quando a Universidade Duke submeteu seus jogadores ao teste, na metade do verão passado, a impulsão vertical de Zion Williamson foi medida em 1,17 m. Mas para seus colegas de time e da comissão técnica de Duke que assistiram ao teste, o número não faz justiça ao atleta.
"Ficamos todos chocados", disse o armador Alex O'Connell.
Williamson, o último jogador a saltar, ficou acima da escala. Em sua primeira tentativa, ele atingiu sem esforço a barra mais alta. Um membro da comissão técnica ajustou o mastro para sua maior elevação e reposicionou os braços, e Williamson repetiu a façanha. O mastro foi erguido em mais alguns centímetros, com a ajuda de pesos. Williamson de novo atingiu o braço mais alto.
"É algo que você não vê frequentemente, especialmente para um cara com o corpo dele, voando daquele jeito", disse o ala Javin DeLaurier. "É uma cena rara".
Nolan Smith, treinador assistente da universidade que jogou quatro anos pela Duke e depois fez carreira na NBA e no basquete europeu, disse jamais ter visto algo parecido. Cam Reddish, outro calouro do Blue Devils, disse que não viu a cena. Ele estava em outra parte do ginásio quando Williamson colocou o teste em teste".
"Só ouvi dizer que ele bateu o recorde", disse Reddish, "Coisas do Zion".
O dia em que Zion fez um 360 como se fosse simples
No começo, Jay Williams, outro antigo jogador de sucesso da Duke, acompanhava as façanhas de Williamson como todo mundo mais: por meio de vídeos de baixa qualidade gravados em ginásios de escolas de segundo grau e postados na internet. O jogo de alto voo de Williamson rapidamente se tornou "a oitava maravilha do mundo", disse Williams.
E então ele o assistiu em pessoa.
"Jamais vi um jogador fazer um 360 casualmente, em um jogo", disse Williams, depois de ver Williamson fazer exatamente isso, em um jogo contra a Universidade Clemson nesta temporada. "Mesmo quando você via Vince fazer essa jogada na universidade", ele disse, se referindo a Vince Carter, que jogou pela Universidade da Carolina do Norte, "ele precisava de um impulso especial para colocar aquele tipo de energia em uma jogada. Mas [Williamson] o fez casualmente durante a partida. Fez um 360 como eu faria uma bandeja".
Williams disse que jogadas como essa são um dos motivos para que seja um erro comparar Williamson a outros jogadores de basquete.
"Para mim, é como ver um jogador de futebol americano com a agilidade do basquete", disse Williams. "Jamais vi algo parecido. Joguei contra Julius Peppers na universidade, e me lembro de que ele era o único cara que Carlos Boozer se sentia intimidado para encarar porque não conseguia forçá-lo a recuar. Foi aí que percebi que estava vendo Peppers [jogador de defesa no futebol americano] pela lente do basquete. E isso foi uma surpresa. Julius era ágil, mas estou falando sobre a moldura do corpo. Ele me lembra um linebacker ou um tight end. Diferente, completamente diferente".
O dia em que Zion Williamson estourou seu tênis
Spike Lee estava em seu lugar, e Barack Obama também, bem perto do banco da Universidade Duke. Mas diante de Luke Maye, da Universidade da Carolina do Norte –no espaço ocupado um instante antes por Zion Williamson– de repente havia nada.
"Eu não ouvi coisa alguma, cara", disse Maye na quinta-feira.
O que todo mundo percebeu era que o assunto havia mudado, de um jogo difícil com intensa rivalidade –Duke, que liderava o basquete universitário naquele momento, contra Carolina do Norte– para algo muito mais bizarro: o tênis Nike de Williamson simplesmente se desmantelou quando ele tentou uma jogada na marca do lance livre. Williamson ficou no chão, e o time da Carolina do Norte correu para o contra-ataque. E todo mundo queria saber o que havia acontecido.
Maye tinha o melhor lugar do ginásio para isso.
"Eu só recolhi a bola e comecei a avançar para o garrafão deles", ele disse.
O Blue Devils inicialmente ficou só confuso. A primeira coisa que Javin DeLaurier, aluno de terceiro ano da Universidade Duke, viu, do banco de reservas, foi o tênis no pé esquerdo de Williamson, ou o que restava dele, ao menos: a sola estava balançando, como uma bandeira ao vento.
Para DeLaurier, isso pareceu ser uma boa notícia.
"Ainda bem, foi o só o tênis, foi o que pensei", ele disse. "Houve um suspiro de alívio".
Afinal, ele já havia visto cena parecida. DeLaurier sofreu o mesmo problema com um de seus tênis. E o mesmo já havia acontecido com Williamson. "Zion é um ser humano grande, que se movimenta rápido, muda rapidamente de direção", disse DeLaurier. "Essas coisas acontecem".
O dia em que Zion veio do nada para dar um toco
"A culpa foi minha", diz DeAndre Hunter, agora.
Ele não está errado. No final de um jogo na Virgínia, em fevereiro, o armador do Cavaliers, Kyle Guy, fez um passe para Hunter, do outro lado da quadra. Hunter esperou na linha de três pontos, no canto da quadra, e não havia marcadores da Duke a menos de quatro metros dele. Williamson estava do lado esquerdo da quadra, exercitando sua marcação ativa e combativa, e por isso Hunter, do lado oposto, demorou para fazer o arremesso de três pontos.
Mas Williamson aproveitou a pausa para encurtar o espaço. Cruzando a quadra com cinco passadas rápidas, ele decolou a menos de dois metros de distância de Hunter, no momento do arremesso, "Foi minha culpa", disse Hunter. "Demorei demais para preparar o arremesso. Mas ele veio de muito longe".
Na verdade, Williamson saltou tão alto e se estendeu tanto verticalmente que sua mão direita estava bem acima da altura do aro, três metros, quando ele deu o toco, jogando a bola de Hunter na arquibancada.
"Ele veio do nada", Hunter diz.
O pior, pelo menos para Hunter, é que o vídeo da jogada foi ao ar no programa SportsCenter, da rede de TV ESPN, e em outros noticiários esportivos, e se tornou um momentos mais vistos no acervo de Williamson no YouTube.
"Eu não imaginava que a jogada se tornaria tão famosa", disse Hunter recentemente.
Kevin Armstrong , Adam Zagoria , David Waldstein , Marc Tracy , Kevin Draper e Joe Drape The New York Times