Número de alunos estrangeiros nos EUA cai sob Trump, mas o de brasileiros sobe
As novas inscrições de estudantes estrangeiros em instituições de ensino americanas caíram pelo segundo ano seguido, queda que espelha maiores dificuldades em obter visto, cursos mais caros e, em alguma medida, cautela com o governo do presidente Donald Trump.
O relatório Open Doors (“Portas Abertas”, em tradução livre), do Institute of International Education, focado em ensino internacional, identificou queda de 6,6% no número de novas matrículas de alunos estrangeiros no ano letivo de 2018, para 271.738.
Foi a segunda queda consecutiva. Em 2017, primeiro ano do governo Trump, as novas inscrições já haviam recuado 3,3%, para 300.743. A tendência de redução deve continuar em 2019, indica outro relatório do IIE, de novembro. Em pesquisa com 540 instituições, 49% viram queda nas matrículas no segundo semestre e 7% relataram estabilidade.
Vários fatores colaboram para a queda, diz Peggy Blumenthal, conselheira sênior para o presidente do IIE, Allan Goodman. Entre os principais ela elenca o corte de investimentos de governos estrangeiros que, antes, concediam bolsas para alunos que desejavam estudar nos EUA.
Também atribui a queda ao aumento dos custos para estudar nos EUA, onde muitos recorrem a empréstimos para financiar sua educação.
Há ainda um movimento, diz, de governos estrangeiros, em especial de China e Índia, de reter talentos. Somados, os dois países respondem por metade de todos os estrangeiros que estudam nos EUA.
Esses países oferecem incentivos, como ensino gratuito e oportunidades profissionais, para que os alunos fiquem no país –fazem o mesmo com estrangeiros, numa competição para atrai-los.
Há relatos ainda de dificuldade e demora na concessão de vistos estudantis. Em março, o número de estudantes com vistos F-1 e M-1 –para quem quer fazer um curso acadêmico ou vocacional, respectivamente– recuou 0,5% na comparação com o mesmo mês de 2017, para 1,2 milhão.
Para Jake Varn, analista do Bipartisan Policy Center, a retórica do presidente contra estrangeiros –em especial os vindos das Américas Central e do Sul– não ajuda a atrair alunos aos Estados Unidos. “A decisão do estudante é tomada muitos anos antes. Mas não ajuda esse tipo de retórica.”
Para alguns brasileiros, o fator Trump é decisivo na hora de escolher a instituição de ensino. É o caso da gaúcha Manuela Valim, 32, que está pesquisando locais onde possa aprofundar seus estudos de agroecologia. No momento, analisa três destinos: Canadá, Austrália e Cuba.
Os EUA, que nunca foram sua primeira opção, estão completamente descartados por causa de Trump. “A proposta de sociedade que existe lá, a forma como recebem as pessoas, não é algo que desperte meu interesse. E a administração dele tem um perfil que não me agrada.”
Para o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, ela só tem elogios. “A liderança que ele coloca para o mundo é inclusiva, aberta. Todas as vidas valem o mesmo.”
A paulistana Isadora Costa Cardoso, 21, não teve muita chance de ponderar o fator Trump –embora o esteja sentindo na pele. Ela cursa ciências políticas e relações internacionais na Universidade Estadual do Oregon.
Lá, depois que Trump foi eleito, já escutou provocações de colegas de dormitório, como uma vez em que começaram a gritar “build the wall” (“construa o muro”, em referência ao muro que o republicano quer erguer na fronteira com o México). “Fiquei em choque. Fui no serviço de psicologia da universidade, me trocaram de dormitório, mas nada acontece, porque existe a presunção de liberdade de expressão”, diz.
Também passou a ser parada na imigração e questionada sobre a regularidade de sua permissão para estudar. “Hoje, eu mudaria a decisão de vir para os EUA, porque eu vi a realidade de mulheres e de minorias. Vou usar este ano para fazer estágio, depois não quero ficar”, diz.
Mas Manuela e Isadora são exceções no universo de estudantes brasileiros. O fator política normalmente não entra na equação deles, afirma Maura Leão, presidente da Belta, Associação Brasileira de Organizadores de Viagens.
“Para o europeu, é muito relevante o fator Trump. Para o brasileiro, o presidente não faz diferença”, afirma.
“Dificilmente alguém vai desistir de fazer faculdade nos EUA por causa do governo, o que afeta é mais a questão cambial.”
Apesar do câmbio desfavorável, porém, houve aumento de 11,7% no número de estudantes brasileiros nos EUA no ano letivo de 2018. O Brasil é o décimo local de origem dos alunos que frequentam instituições de ensino americanas.