No Brasil, 14 milhões correm risco de voltar à pobreza
Um relatório do Banco Mundial, com o sugestivo subtítulo “Quando os Sonhos Encontram a Realidade”, analisou a vulnerabilidade do progresso social na América Latina aos sabores de fatores cíclicos, como o sobe e desce nos preços de commodities.
A conclusão é que muito da queda da pobreza nos “anos de ouro”, entre 2003 e 2014, se deveu a esses movimentos imprevisíveis, pouco determinados por políticas domésticas.
Na região como um todo, os chamados componentes transitórios do ciclo econômico explicaram 45,6% da queda na fatia de pessoas vivendo com menos de US$ 5,5 por dia (em paridade do poder de compra).
A redistribuição de renda foi responsável por outros 35% da redução, e apenas 19,4% se deveu ao que mais importa: a tendência de expansão dos países no longo prazo.
Os dados do Brasil são ainda piores. Por aqui, o ciclo respondeu por 54% do movimento que tirou 39,6 milhões da pobreza no período. Programas como o Bolsa Família explicaram outros 33% da redução, e somente 13% foi resultado da nossa capacidade de crescer com as próprias pernas.
Não é surpreendente, portanto, a breve menção que o Banco Mundial faz no documento a um aumento de três pontos percentuais da pobreza no Brasil entre 2014 e 2017, quando o ciclo favorável havia acabado.
Uma consulta à base de dados da instituição permite traduzir esse dado em números absolutos. O resultado é assustador: 7,4 milhões foram adicionados à pobreza no país em apenas três anos.
Mas há outro exercício aritmético mais perverso implícito no relatório.
Se 54% entre 39,6 milhões de brasileiros haviam saído da pobreza apenas por efeito do momento externo favorável dos anos 2000, quantos mais podem voltar a essa condição?
A resposta é: outros 14 milhões de brasileiros, o dobro da cifra registrada até agora.
Parte desse triste movimento já deve ter ocorrido em 2018. Mas isso não deveria nos impedir de refletir sobre como nos recuperar dessa reversão desastrosa e tornar futuros progressos mais sustentáveis.
Os caminhos estão indicados no próprio documento, assim como em outras evidências internacionais. É crucial diversificar a economia, modernizar a indústria, investir em inovação e em educação e reduzir nossa dependência dos ciclos de commodities.
O relatório ressalta ainda a importância de reforçar políticas que amenizem efeitos de crises temporárias, como o seguro-desemprego.
O problema é que, em meio à crise fiscal, nós retrocedemos, em ambas as frentes, nos últimos anos.