No Rio, refugiados venezuelanos relatam fome em seu país e buscam trabalho
Yelitza Josefina, 43, professora em Maturín, na Venezuela, atravessou a fronteira com Paracaima (RR) em janeiro deste ano para tentar a sorte no Brasil. "Se almoçava, não jantava", diz.
Ao lado do filho Moises, 19, viveu quatro meses numa praça da capital, Boa Vista, com milhares de compatriotas que fogem de uma crise humanitária, econômica e política que já produziu mais de 1,6 milhão de refugiados do país vizinho.
Ali, pegou chuva, fez sanduíches com restos de frios descartados por mercados, comeu marmitas deixadas por brasileiros. Fez bicos como doméstica e lavou pratos em restaurantes a R$ 25 por dia.
Yelitza é um dos 50 venezuelanos que chegaram ao Rio na noite de terça (3) vindos de Boa Vista pelo programa de interiorização do governo federal em parceria com a Organização das Nações Unidas.
São ao todo 13 famílias, algumas abrigadas desde o ano passado em campos de acolhimento na capital de Roraima, principal porta de entrada de imigrantes da Venezuela.
Segundo Paulo Sergio de Almeida, do Acnur (o braço da ONU para refugiados), mais da metade dos 4.200 venezuelanos em abrigos em Boa Vista manifestou interesse no deslocamento para outras cidades.
Até o momento, cerca de 600 foram encaminhados a instituições de acolhimento em cidades como São Paulo, Cuiabá e Manaus.
Há seis meses, Gilberto Alvarez, 23, percorreu por três dias e duas noites a estrada até Paracaima, com outras 30 pessoas. Deixava a Venezuela depois de passar fome. A mulher, Yulexis Bastardo, 24, grávida, chegou depois, quando a filha tinha um mês de vida.
No primeiro dia no Rio, vestia uma camisa da seleção inglesa. "É que me deram", explica, lembrando a torcida pelo Brasil nas televisões instaladas no abrigos em Roraima para acompanhar os jogos da Copa.
No Rio, os 50 venezuelanos —entre eles 18 crianças de até 14 anos— ficarão nas instalações da ONG Aldeias Infantis SOS, no Itanhangá (zona oeste), em um espaço com mais de 20 mil m?.
Estão disponíveis quatro casas de dois andares, com três ou mais quartos para os grupos familiares.
Segundo Sandra Fonseca, gestora nacional da ONG, o projeto prevê um tempo mínimo de permanência de três meses e máximo de seis, com aulas de português e encaminhamento a programas oficiais de saúde, educação, trabalho e renda.
"Vamos dialogar para buscar as expectativas e as expertises de cada um", afirma Fonseca.
"Eles vêm com seus sonhos. Não vamos impor a eles um plano de vida."
O sonho de Yelitza agora é trazer os outros três filhos —de 9, 11 e 13 anos— que ficaram na Venezuela. "É muito doloroso ter comida, abrigo e não ter seus filhos", afirma.
Além dessa esperança, tem um outro sonho, pequeno mas saboroso: "Queria muito comer um hambúrguer com batata frita".