No Santos após dez anos, Cuca busca acertar contas com o passado
Cuca entra na sala de imprensa para falar com os jornalistas e começa a mexer em chuteira colocada sobre a mesa por um patrocinador. Em seguida a põe no lugar. Não é acaso. É um ritual. Passou a fazer isso no início de série invicta do Santos que já dura nove partidas.
Conhecido como um dos personagens mais supersticiosos do futebol brasileiro, ele jura não ser uma cisma.
“Do que me colocam como supersticioso, sou só 10%. É tudo folclore, brincadeira. Eu não ligo”, afirma o treinador, caindo na gargalhada.
Pode ser divertido, mas quando assumiu o Santos, no final de julho, a situação não era nada engraçada. O time estava na zona de rebaixamento, com sérios problemas de rendimento em campo e mergulhado na crise política.
Cuca mudou o Santos. A equipe hoje está em nono na tabela e não teme o rebaixamento. Pensa em classificação para a Libertadores de 2019.
Ele sabe o momento em que a reação começou. Foi em 15 de agosto, na partida de volta das quartas de final da Copa do Brasil. Apontado como zebra, o Santos venceu o Cruzeiro por 2 a 1 e só foi eliminado nos pênaltis.
Neste domingo (23), o time paulista volta ao estádio para enfrentar o mesmo rival, mas pelo Campeonato Brasileiro.
“Aquele jogo no Mineirão deu a confiança para o pessoal saber que a gente podia [crescer]”, constata.
Com superstição ou não, Cuca retornou à Vila Belmiro para acertar contas com o passado. É sua terceira passagem pelo clube. Como jogador, foi contratado em 1993 e não conseguiu ajudar a acabar com um jejum de títulos que na época já durava nove anos. Um problema crônico no púbis o atrapalhou.
Chegou como técnico em 2008 depois de ficar dois anos e meio no Botafogo. Durou apenas 40 dias.
“Eu estava no Botafogo na quarta e na quinta vim para o Santos. Não tinha como dar certo. Eu precisava de um tempo para descansar. Por isso que queria voltar para o Santos. Estava com muito tesão de trabalhar aqui. Foi um dos poucos lugares em que não consegui fazer um bom trabalho”, constata.
Nas últimas oito partidas, o time não sofreu gols. Ele afirma ter colocado Gabriel no banco para fazê-lo perceber que não era o responsável pela fase ruim em campo. O atacante em seguida engatou sequência que o tornou artilheiro do Brasileiro, com 12 gols.
Entre as revanches que estão na sua mente, está a Libertadores. Cuca assistiu aos 90 minutos do empate entre Independiente e River Plate, na última quarta (19) pelas quartas de final pensando: “poderia ser a gente”.
A escalação irregular de Carlos Sánchez provocou uma mágoa dupla. Apesar de ter empatado dentro de campo em Buenos Aires, o Santos foi declarado perdedor nos tribunais. Cuca considerou um erro primário e disse que o Santos tinha muito a melhorar.
Soube ter irritado o presidente José Carlos Peres. O cartola procurou o colombiano Juan Carlos Osorio, que depois acertou com a seleção paraguaia.
“Soube disso também [o contato com Osorio]. Claro que fico sentido. Eu poderia ter saído e deixado de concluir trabalho que queria muito vir aqui fazer. Não falei mal do presidente, mas naquele turbilhão de emoções, falei e falaria de novo. Tenho de agradecer aos caras da seleção do Paraguai que levaram Osorio, senão ele estava aqui”, conclui rindo, mais uma vez.
No processo de azeitar o time de 2018, Cuca já tem o olho em 2019. Afirma ter caderneta com cinco nomes “emergentes” para levar para a Vila Belmiro, além de dois “jogadores importantíssimos para serem repatriados.”
Ele apenas não tem certeza se poderá continuar. Se o Santos não sabe sequer quem será o presidente no final do ano, que dirá o técnico.
Ao falar no assunto, cita o nome do mandatário José Carlos Peres, que pode sofrer impeachment neste mês, e de Orlando Rollo, o vice que assumiria o cargo. Nenhum dos dois levou a disputa (que o próprio Cuca chama de “guerra”) para dentro dos muros do Centro de Treinamento.
“Já tenho tudo montadinho para o ano que vem, do que fazer, como fazer. Mas tenho de ver com quem vou fazer... Ou se eu vou estar aqui para fazer, não é?”, questiona.
Ainda irritado com a expressão Cucabol, apelido dado ao seu estilo de jogo no título brasileiro de 2016 pelo Palmeiras, baseado em jogadas aéreas, às vezes com cobranças de laterais (“Irrita muito. Me enche o saco”), Cuca quer continuar no Santos, mas tudo tem um limite.
O dele é interferência externa. Citar o assunto tão cedo soa como recado para quem quer que seja o presidente neste ou no próximo ano. O técnico quer seguir. Desde que seja nos seus termos.
“Se eu fosse dirigente, teria um treinador que casasse com a minha filosofia. Daria autonomia para ele executar o trabalho e cobrar o que precisasse. Espero que façam assim comigo e me deixem montar o time. Gosto de montar dentro do que imagino o time jogando. Raramente dá errado. Se tiver a condição de fazer isso, ano que vem será bom. Existem lugares em que há interferência e isso não combina com o meu trabalho. Espero que não tenha isso aqui”, resume quem ressuscitou o Santos no Brasileiro de 2018.