Nome forte da moda sustentável, Flavia Aranha estreará na SPFW
Levou quase dois anos até uma das estilistas mais atuantes da nova leva de designers com viés sustentável do país aceitar o convite da São Paulo Fashion Week. Mas não foi apenas pelo fato de neste ano ela comemorar dez anos de sua marca homônima que Flavia Aranha entrará na programação de desfiles.
Quando suas roupas aparecerem no último dia da semana de moda paulistana, cuja edição N47 acontecerá entre os dias 22 e 27 deste mês, será um ato político. “Não partidário”, diz, mas sim crítico ao corte de investimentos em políticas sociais que nos últimos três anos ceifou projetos de impacto socioambiental no semiárido e em comunidades carentes.
Segundo Aranha, as cooperativas que ajudam a girar a moda artesanal do país estão ameaçadas porque os trabalhadores ainda dependem de programas como os de distribuição de energia elétrica para zonas rurais e cisternas para viver. “Já estava difícil, mas com os cortes corremos o risco de inviabilizar o Brasil como potência criativa”, explica Aranha.
Por isso, sua passarela será um resumo da última década em que trabalhou no resgate da cultura têxtil nacional, a exemplo do uso de restos de pau-brasil para tingimento natural, e as peculiaridades da confecção nacional.
Ela incluirá na coleção a marchetaria do Acre, o látex da Amazônia, a tecelagem artesanal de Minas Gerais e o algodão orgânico oriundo da cooperativa Justa Trama, do Ceará, e da marca Natural Cotton Color, da Paraíba.
O diferencial que torna a moda de Flavia Aranha uma joia da cultura de moda brasileira é sua capacidade de reunir o material colhido em suas pesquisas em uma embalagem moderna, sem cair na máxima “sustentabilidade não é sexy”, termo popularizado nos Estados Unidos para apontar uma suposta falta de beleza dos produtos beges da categoria.
“Não tenho nada contra bege, até porque amo a cor e uso bastante, mas nesta coleção quero mostrar as possibilidades de tingimento natural e diferentes modelagens. Não tenho pretensão e arrogância de ensinar nada para ninguém, mas quero provar para o mercado que sustentabilidade não é só bege, é o cuidado desde a terra, no plantio do algodão, até o último elo, de quem costura e corta”, explica.
Diferentemente da maioria das marcas que desfilam em semanas de moda, ela não baseou suas criações sob um tema, mas afirma que a ancestralidade indígena, negra e feminina do Brasil convergem na imagem da coleção.
O desafio que a estilista terá nesta primeira incursão na passarela da SPFW também inclui mostrar ao mercado que moda sustentável vende e que seu modelo de negócio consegue ser autossuficiente – ela abriu um pequeno parque fabril na Água Branca, na zona oeste, onde lava, tinge, corta e produz em escala.
Tem dado certo. Além da primeira loja internacional da marca, aberta no ano passado em Lisboa (Portugal), Aranha estuda abrir, ainda neste ano, a segunda loja da grife. Estão nos planos o primeiro ponto no Rio de Janeiro ou um segundo espaço em São Paulo, porque a única loja, na Vila Madalena, “ainda é muito vinculada a um perfil de público que frequenta o entorno”.
“Demorei bastante para dar esse passo mais largo [desfilar], porque precisava organizar a gestão e consolidar a marca. É hora de me reconectar ao lado mais subjetivo da moda, um lugar criativo, que mostre às pessoas como é possível a moda ter práticas justas, corretas”, diz a estilista. Vale acrescentar, bonitas também.