O que o xadrez nos diz sobre o futuro da humanidade?

Na faculdade, passava horas na biblioteca. Entre outras joias encontrei o livrinho "Computadores, Xadrez e Planejamento de Longo Termo", do engenheiro soviético Mikhail Botvinnik (1911-1995), publicado em 1970.

Botvinnik, campeão mundial de xadrez entre 1948 e 1963, era celebridade no meu meio. Que ele tivesse escrito sobre como jogava e como seus processos de decisão poderiam ser reproduzidos numa máquina era uma descoberta incrível para um jovem que aprendia rudimentos de programação. Decidi que iria implementar o seu método!

Sabia que outros deveriam ter tido a mesma ideia, começando pelos pioneiros da computação na União Soviética. E que, se eles não tinham conseguido, talvez minhas chances não fossem boas. Fui em frente assim mesmo: fracassei, claro, e fui feliz tentando.

Botvinnik propunha "buscas seletivas": o programador escolhe uma fórmula para avaliar cada posição do tabuleiro e a máquina vai testando movimentos das peças (na época conseguiam testar quatro movimentos à frente), abandonando a busca quando a avaliação fica ruim.

Alguns anos depois as máquinas já eram mais poderosas. As buscas seletivas foram substituídas pela força computacional bruta. As primitivas maquininhas de xadrez dos anos 1980 foram ficando mais competitivas. Mas "sabíamos" que o ser humano manteria a primazia, afinal, nenhuma máquina pode jogar melhor que seu programador, certo?

Até que aconteceu. Em 1997 o computador Deep Blue da IBM, capaz de avaliar 200 milhões de posições por segundo, bateu o campeão do mundo Garry Kasparov. Foi um choque, mas não provou que computadores tivessem ficado mais inteligentes que os humanos.

A partir daí, a ênfase passou do hardware para a busca de algoritmos mais eficazes de decisão, resgatando a abordagem de Botvinnik. No fim de 2017 houve um evento ainda mais significativo que o triunfo do Deep Blue: a derrota de Stockfish 8, algoritmo campeão do mundo, para AlphaZero, outro algoritmo, do Google.

A novidade é que AlphaZero ensinou a si mesmo a jogar xadrez (e outros jogos, como Go), sem intervenção humana. Após nove horas de jogando contra si mesmo, AlphaZero humilhou o campeão do mundo num torneio de cem partidas: 28 vitórias, 72 empates, nenhuma derrota.

Uma prova contundente de como a inteligência artificial está adquirindo o poder de substituir a humanidade em domínios que acreditávamos serem só nossos.

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