O que os conservadores querem para a educação pública?
Detesto bancar o chato, mas às vezes é necessário reencarnar o estudante nerd e pentelho que vivi intensamente durante o ensino fundamental. Cansei de escrever, de conversar, de dialogar com meus amigos bolsonaristas naquela já distante eleição de 2018. Disse a eles que a desconstrução de Paulo Freire até podia ser uma estratégia eleitoral (que desaprovo), mas não era nem de longe uma plataforma política razoável para o Ministério da Educação. Também reforcei que a obsessão com o (inexistente) kit gay não seguraria sequer uma reunião de trabalho em Brasília. Afinal, como você vai atacar algo que não existe? Como vai tirar Freire das escolas se ele sequer está nelas?
Pois bem, a realidade está cobrando seu preço. Não importa o quanto você goste pessoalmente do presidente Jair Bolsonaro ou admire os livros do ministro Ricardo Vélez Rodriguez. O fato, singelo como uma soneca depois do almoço, é que não há um programa conservador claro para a educação brasileira. Há apenas iniciativas isoladas, como educação domiciliar, e tentativas de jogar para a direita política o que não lhe pertence, como o componente fônico na alfabetização. Aliás, transformar um método em bandeira é o equivalente a ideologizar o melhor jeito de fazer uma conta de divisão.
E digo isso com a frieza e empatia de quem reconhece os ventos que sopram na sociedade. O governo pode e deve propor uma agenda para a sociedade. Depois, o país decide, via debate público e via Congresso, se vai comprar a agenda inteira, partes dela ou nada.
Geralmente, as eleições oferecem a oportunidade de discutir ao menos as linhas gerais desse programa e a direção que deve ser seguida. Isso ajuda a definir o escopo de trabalho e, mais tarde, a submissão de propostas. No caso específico da educação, as propostas do time de Bolsonaro foram vagas. Tenho até uma hipótese para isso. O governo venceu a disputa pelo Palácio do Planalto com uma coalizão ampla formada por conservadores e liberais de vários matizes. Além disso, as origens eram muito distintas, o que muda a compreensão dos problemas e a agenda de soluções. Embora evangélicos, ruralistas, parcelas da classe média e militares concordem muito sobre o que não pode ser feito, tenho certeza que discordam muito sobre o que precisa ser realizado. É a hora em que as diferenças aparecem. Por isso, lideranças bem preparadas são fundamentais.
Como isso não existe até o momento, o cenário é caótico. Temos um MEC loteado entre diferentes correntes que mal se suportam, incapazes de construir um programa único e submetê-lo ao país.
Por isso, esse é um momento bem sério para os conservadores e liberais brasileiros que apoiaram o presidente Bolsonaro. Durante muitos anos, eles puderam fazer a crítica do que consideravam errado na educação pública do Brasil. Eram pedra.
Agora, é o momento de propor algo e defender essa posição em público. Eles são vidraça. É muito mais difícil e exige decisões duras. Quer um exemplo? Se não tiverem o que defender, talvez seja a hora de simplesmente deixar que as coisas que o governo passado planejou continuem funcionando.
Afinal, pior do que o vazio de ideias é a paralisia de ações essenciais. Perder o debate ideológico dói, é verdade, mas apenas na vaidade. Ser responsabilizado pela merenda que não chega, pela luz cortada, pelo salário atrasado, pelo livro parado no estoque é outra história. Há um desastre de grandes proporções sendo gerido nas entranhas desse apagão administrativo, a começar pelo funcionamento do próprio ministério. Se o MEC não der uma direção, vai perder rapidamente o corpo técnico da pasta, inclusive os simpáticos à nova gestão. É difícil colocar uma máquina gigante para funcionar. Porém, é ainda mais difícil motivar uma máquina que estava rodando e teve de parar por falta de rumo.
Que os conservadores e liberais bolsonaristas não se enganem. A lorota de “herança maldita” não funciona duas vezes. O triste espetáculo do MEC está às vistas de todos. É um triste reality show em que professores e alunos estão vendo seus sonhos serem colocados no paredão dia após dia.