Obsessão por personalidades de esquerda motivou morte de Marielle, dizem autoridades
A pergunta que não quer calar no crime que matou Marielle Franco e Anderson Gomes —o por quê?— pode ser respondida agora. Ao menos é o que defendem a polícia e o Ministério Público do Rio, pelas pesquisas que o policial reformado Ronnie Lessa fez na internet antes do fatídico dia 14 de março de 2018.
Foram inúmeras as buscas sobre a vereadora, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL) e a esposa dele, Renata Stuart, antes do assassinato. Lessa procurou também (ainda que em menores quantidades) informações sobre o general Richard Nunes, secretário de Segurança durante a intervenção federal, delegados e outras autoridades.
A “obsessão” por personalidades da esquerda foi o que levou a promotoria a adicionar à acusação de homicídio uma agravante de “motivo torpe”, ou seja, imoral. Também foi apenas um dos elementos que levaram à prisão dos dois homens que estavam no carro naquela noite.
"Quando você faz a análise telemática [de dados de uso na internet], você percebe que qualquer uma daquelas pessoas poderia ser a vítima. Por exemplo, Freixo, esposa do Freixo [...] as pesquisas maiores eram de personalidades ligadas à esquerda", disse o delegado.
Sem câmeras no local do crime ou reconhecimento por testemunhas, já que os matadores ficaram duas horas de tocaia aguardando Marielle sem sair do carro e o atirador usou uma touca ninja, a Polícia Civil fluminense investiu nos movimentos durante o que chama de “pré e pós-crime”.
Foi em outubro do ano passado que o nome de Lessa começou a se encaixar nas peças. Uma denúncia anônima indicou que ele estava dentro do carro usado no assassinato e que ele havia saído da Barra da Tijuca (zona oeste carioca) para executar o crime.
A polícia já havia investigado Lessa, mas não havia indícios que o colocavam na cena do crime. A partir da denúncia, os investigadores sabiam onde procurá-lo em imagens de câmeras de trânsito.
Em seguida, a investigação verificou que Lessa havia sofrido uma tentativa de assassinato um mês após a morte de Marielle. O atentado com tiro no pescoço em um restaurante havia levantado na época a suspeita de queima de arquivo, depois descartada.
A partir da nova denúncia, os investigadores revisitaram as imagens colhidas à época do crime do possível trajeto efetuado pelo carro do crime e confirmaram a informação. O celular de Lessa também ajudou na confirmação.
A polícia recorreu à quebra de informações de 2.428 antenas de telefonia celular e de dados de 33.329 linhas, das quais 318 foram interceptadas. O objetivo era verificar todas as pessoas que usaram seus celulares em uma área próxima à reunião em que Marielle estava e checar o deslocamento de suspeitos.
"Eu tenho absoluta compatibilidade entre o deslocamento do local da execução até o local de retorno [de Lessa] e, mais perto da madrugada, eu tenho a captura dele entrando na residência dele”, disse o delegado do caso, Giniton Lages, ao comentar a análise dos dados do celular de Lessa.
Lages não deu detalhes das técnicas utilizadas na investigação. Mas disse que polícia recorreu a um volume grande de informações fornecidas por empresas de telefonia móvel. Até mesmo as operadoras de telefonia teriam tido dificuldade em organizar os dados requisitados. O cruzamento de dados das linhas em diferentes antenas e em diferentes momentos levou à identificação de celulares chave na investigação.
O delegado Giniton Lages cobrou publicamente o governador Wilson Witzel pela incorporação de novas técnicas de investigação que não dependam apenas a interceptação telefônicas, mas que consigam analisar um volume maior de dados de celulares. "É preciso dizer, governador, que não se faz mais investigações com interceptação telefônica. Temos que avançar. O caso Marielle e outros casos com essa sofisticação não fecham [apenas] com interceptação telefônica".