Oliver Holmes, o STF e a liberdade de imprensa
Perguntem a republicana aposentada que reside em Indian Creek, na Flórida, o que ela pensa da Suprema Corte dos Estados Unidos? Ou formule idêntica indagação ao cidadão de meia-idade do Minnesota. A resposta certamente será parecida: a Suprema Corte decide mal, seus integrantes não têm legitimidade para anular atos dos demais Poderes, não possuem mandato e não gozam de respaldo popular.
Ecoam, pouco mais, pouco menos, aquilo que Thomas Jefferson afirmava no início do século 19, logo após derrotar John Adams na eleição presidencial de 1802. Os jeffersionistas não gostavam da Suprema Corte e do Judiciário, porquanto viam neles as digitais da oposição adamista e o propósito de ditar os rumos da nação. Dois séculos se passaram, e a corte se firmou como uma das principais instituições dos EUA, responsável por decisões que moldaram o país para melhor, a exemplo do caso Brown v. Board of Education (1954), de segregação racial.
O Supremo Tribunal Federal, esse eterno incompreendido, nasce na Constituição de 1891, inspirado no modelo estadunidense e pelas mãos de Rui Barbosa. Investido da suprema competência de dizer o direito, de estabelecer em definitivo a vontade da lei, o alcance da Constituição, o que é justo, moral e legal, é natural que sobre ele recaiam, senão todas, a grande maioria das esperanças, dos “quereres” e das frustrações de gerações de brasileiros.
À semelhança da corte que lhe serviu de inspiração, o Supremo tem contribuído enormemente para o avanço institucional brasileiro. Recentemente, se viu engolfado em uma polêmica muito mais midiática e fruto do período em que vivemos, esse dos tribunais das redes sociais e das celebridades instantâneas.
Um ministro da corte deferiu pedido de suspensão de veiculação de notícia formulado por outro ministro que a preside. O que pediu exerceu o direito constitucional de pedir; o que deferiu exercitou o poder/dever atribuído ao Judiciário, pelo artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição (da qual o STF é guardião).
Foi o bastante para alguns considerarem o episódio tão ou mais grave do que quando o presidente da Suprema Corte Roger Brooke Taney, em 1857, afirmou, com o apoio da maioria, que o negro “era tão inferior que não possuía nenhum direito a que o homem branco devesse respeitar”.
A queixa principal é que, ao deferir, o ministro suprimiu a liberdade de expressão, de imprensa etc. Costumo dizer a meus alunos que “leiam os autos” antes de trombetearem essa ou aquela “verdade”.
Nesse sentido, a suspensão da decisão que proibia a veiculação da notícia, tomada pelo próprio ministro que antes havia deferido, é bastante esclarecedora, convinha que todos a lessem. É inegável que, sempre que a liberdade de imprensa estiver em discussão, a decisão judicial deve se pautar por sua manutenção e não o contrário. Essa é a regra, mas, como sabido, regras, a depender do caso concreto, podem ser excepcionalizadas.
“My Way” é de Paul Anka, mas quem a imortalizou foi Frank Sinatra. Na primeira estrofe ele diz que “vai expor o caso do qual está certo”. Posso não estar totalmente certo, mas, quando se analisa todo o contexto, especialmente as razões do ministro que concedeu a decisão de proibir a veiculação, há evidente reação exagerada de muitos.
E ainda com Anka/Sinatra, “contemplando a cortina final”, penso ser importante reproduzir raciocínio de um dos gigantes da Suprema Corte dos Estados Unidos, Oliver Wendell Holmes Jr., que, certa feita, discorrendo sobre a primeira emenda (a que protege a liberdade de imprensa), afirmou que ela não era absoluta, tanto que em seu nome não é permitido gritar “fogo” em um teatro lotado, somente pelo prazer em exercitá-la.
Acresço que a ninguém é dado negar o caráter sagrado das liberdades públicas, aí incluídas as de religião, expressão e imprensa, mas ninguém pode dizê-las absolutas e fora de qualquer controle, mínimo que seja, atendidas as especificidades de cada caso concreto.