Onda mundial ruim chega ao país
A perspectiva de vitória de Jair Bolsonaro fez o Brasil voltar a subir a uma onda mundial. Pena que, para o meu gosto, é uma das mais nefandas surgidas no planeta.
Refiro-me, como é óbvio, à ascensão de líderes contraliberais, para roubar expressão da mais recente coluna de Rodrigo Zeidan.
É mais fácil de ler do que "iliberal", que vinha usando e que a mídia internacional também adota (o "i" seguido de um "l" e de outro "i" confunde a vista).
O jornal espanhol El País exumou foto de um filho de Bolsonaro com Steve Bannon, o ideólogo da ultradireita que foi conselheiro de Donald Trump na campanha e nos primeiros meses de governo.
Trump é o peso-pesado dessa corrente contraliberal, pela força de seu país. E Bannon está tentando armar uma espécie de internacional da extrema-direita, com eixo, por enquanto, na Europa.
Em artigo para Foreign Policy, Federico Finchelstein, professor de História na Nova Escola para Pesquisa Social da Faculdade Eugene Lang, chega a dizer que Bannon está assessorando a campanha de Bolsonaro.
Ou a mídia brasileira está dormindo no ponto ou é fake news. Prefiro ficar com Javier Lafuente, de El País, que, ao falar da onda ultraconservadora, na qual surfa Bolsonaro, diz que "não há evidência de um plano coordenado a nível mundial, mas, sim, de que se retroalimentam uns aos outros".
A Folha já mostrou que Gideon Rachman, colunista do Financial Times, coloca o triunfo de Bolsonaro (no pressuposto muito lógico de que ele vencerá no segundo turno) em uma perspectiva global: "A ascensão de Jair Bolsonaro não é apenas uma novela brasileira. É um evento de significado global, o mais recente capítulo em uma história em andamento sobre a destruição das normais liberais e a ascensão do populismo".
Rachman escala o time em que pode entrar Bolsonaro com Vladimir Putin (Rússia), Xi Jinping (China), Narendra Modi (Índia), Recep Tayyip Erdogan (Turquia), Rodrigo Duterte (Filipinas), Viktor Orban (Hungria) e, naturalmente, Donald Trump (acho que o líder indiano ainda não faz parte desse time).
Mas, atenção, esse time não joga junto. Basta lembrar que os dois nomes mais fortes do grupo (Trump e Xi Jinping) estão em guerra, por enquanto comercial, mas que tende a caminhar para uma guerra fria pela liderança planetária.
Do meu ponto de vista de militante pela democracia, o importante, ao se constatar o avanço dos contraliberais, é entender as causas que os levam a subir.
Um ponto chave é o mau funcionamento da democracia. No caso do Brasil, duas pesquisas recentes mostram que esse sistema continua sendo considerado o melhor de todos (para 69% no Datafolha e para 62% no Latinobarômetro). Mas, neste segundo levantamento, só 13% dos brasileiros se dizem satisfeitos com o funcionamento do sistema que continuam considerando o melhor possível.
Em carta ao Financial Times, Philip Cerny (Universidade de Manchester, Reino Unido) aponta o que pode ser a causa da insatisfação: "O princípio-guia da democracia é a provisão de bens e serviços púbicos "“como definidos, por exemplo, pelo economista Paul Samuelson"“ à população em geral, não apenas para as elites e os interesses especiais".
Algum governo no Brasil dos últimos 500 anos cumpriu de fato com esse princípio-guia?