Onde anda o técnico que organizou o caos do futebol argentino
Questionado sobre o caos do futebol argentino e qual treinador deveria assumir a seleção, o presidente do Boca Juniors, Daniel Angelici, disse um nome que ninguém esperava: “Alejandro Sabella”.
O técnico está sem trabalhar desde 2014. Sua última partida foi a derrota na final do Mundial daquele ano, contra a Alemanha, no Maracanã.
O pedido de Angelici, um dos homens-fortes da AFA (Associação de Futebol Argentino), não mudou a ideia do presidente da entidade, Claudio Tapia. Sem poder contar com Diego Simeone ou Mauricio Pochettino para o cargo, ele efetivou o inexperiente Lionel Scaloni. Pelo menos até a Copa América de 2019, no Brasil.
Por sucessivos problemas de saúde, Sabella, um dos dois únicos treinadores sul-americanos a chegarem na final da Copa do Mundo neste século (o outro foi Luiz Felipe Scolari, em 2002), desapareceu do futebol e evitou a imprensa.
Foi a partir da eliminação do time dirigido por Jorge Sampaoli diante da França, na Rússia, que ele voltou a aparecer, mesmo que de forma esporádica.
Sabella tem declinado nos últimos anos todos os pedidos de entrevistas. Teve três internações por problemas cardíacos a partir do final de 2015. Passou por uma angioplastia. Está em fase final de tratamento para curar câncer na laringe.
Quando compareceu a homenagem feita pelo Estudiantes, seu clube do coração, chamou a atenção pela aparente de fragilidade física.
Por causa dos problemas de saúde, teve de recusar seguidas sondagens para voltar ao futebol. Houve uma negociação séria com o São Paulo, em 2015. Também foi convidado para assumir a seleção chilena, o que lhe daria a chance de tentar voltar a disputar uma Copa do Mundo.
O mais significativo é que, depois da sua saída, a seleção argentina mergulhou em um caos do qual ainda não conseguiu sair.
Sob o comando de Gerardo Martino, perdeu as finais das Copas Américas de 2015 e 2016 para o Chile. Com Edgardo Bauza e depois Jorge Sampaoli, se classificou para o Mundial da Rússia apenas na última partida. Com seguidos problemas dentro e fora de campo, patinou no torneio e caiu nas oitavas de final.
A eliminação na Rússia deu início a um período sabático de Messi da seleção, que só chegou ao fim na última semana, depois de nove meses fora, em derrota por 3 a 1 no amistoso com a Venezuela.
E quanto mais diferentes treinadores naufragavam com a Argentina, mais o trabalho de Sabella entre 2012 e 2014 sobressaía na lembrança do torcedor.
“Nós deveríamos ter sido campeões. Jogamos melhor que a Alemanha na final. Alejandro merecia o título. É uma alegria quando ele responde às minhas mensagens”, afirma o volante Javier Mascherano, que se aposentou da seleção após a derrota diante da França, em Kazan.
Foi com Sabella que a Argentina teve a melhor campanha no torneio depois de 1990. Messi viveu seu grande momento em Copas do Mundo (marcou quatro gols) e foi eleito o melhor da competição.
Confrontado com todos esses dados ao ser convidado para o lançamento de “Hablemos de Sabella”, biografia oficial escrita pelo jornalista argentino Paulo Silva, o técnico se fechou, bem ao seu estilo.
“Prefiro ser dono dos meus silêncios a escravo das minhas palavras. Todos somos participantes do futebol argentino que temos hoje”, definiu.
Silêncio é o que ele mais tem praticado, concentrado em sua saúde desde que foi internado pela primeira vez, em dezembro de 2015, com fortes dores abdominais.
Segundo jornalistas de La Plata, onde vive, mesmo convalescente continuou o mesmo. Pouco sai de sua casa, no bairro de Tolosa. Gosta de ir com a mulher, Silvana Rossi, fazer compras. É quando tem contato com torcedores. Volta e meia se encontra para conversar com os antigos auxiliares da seleção: Julián Camino, Claudio Gugnali e Pablo Blanco.
Pouco tem falado em voltar a trabalhar no futebol. Quando perguntado sobre o estado de saúde, se sai com resposta sem detalhes, mas que deixa margem a interpretações.
“Se considerar onde cheguei, estou bem”, disse.
Sabella levou o elenco argentino (que era parecido com o que naufragou neste ano) à final em 2014 porque percebeu a necessidade de mudar com o torneio em andamento. Fez seis gols na primeira fase, mas levou três e concluiu que a fragilidade na retaguarda seria fatal.
Mudou o esquema, reforçou o sistema de marcação, convenceu Messi a se sacrificar pela equipe como jamais havia acontecido em sua carreira e a Argentina só levou gol nas fases eliminatória quando Mario Götze bateu Romero na prorrogação da final.
Foi um ensinamento que Sampaoli ignorou. Quase um servo de Messi, sua Argentina passou pela fase de grupos na Rússia graças a um gol do zagueiro Marcos Rojo nos minutos finais contra a Nigéria. Contra a França, levou quatro e caiu.
Sabella se recusou a comentar o desempenho da equipe na Rússia. Disse aos antigos auxiliares que preferia cuidar da vida. Seguiu de forma espartana dieta recomendada pelos médicos, mergulhou no tratamento, se dedicou aos filhos e, em fevereiro deste ano, se casou de papel passado com Silvana, com quem tinha união estável.
Futebol, sua paixão desde quando era um garoto nas categorias de base do River Plate, ficou em segundo plano.
“O mais importante é terminar a minha recuperação. Isso é o que importa e o que exige a minha atenção. Estou muito bem, melhorando a cada dia”, disse, durante o lançamento da biografia.
A última aparição de Sabella como técnico foi a visita que a seleção fez à então presidente Cristina Kirchner na Casa Rosada, após o vice. O técnico sempre se definiu como kirchenista e a defendeu das críticas. Diz que seu político preferido é Néstor Kirchner, marido de Cristina e também presidente do país, morto em 2010.
Nunca houve sequer um anúncio de que Sabella não era mais técnico da seleção. Em 30 de julho de 2014, dia em que daria uma entrevista para explicar a saída, morreu o presidente da AFA, Julio Grondona.
Homenageado pela Universidade Nacional de La Plata em agosto do ano passado, ele pareceu ter ficado emocionado em público pela primeira vez desde a derrota para a Alemanha. Lembrou que sempre pediu, para os jogadores argentinos de 2014, que esquecessem todo o resto e dessem tudo em campo. Ele tinha a obrigação de fazer o mesmo.
“Quando eu estava lutando para ver se seguiria aqui com vocês ou se iria para o outro lado, precisei do conhecimento dos médicos, aqueles que estudaram. Eles me facilitaram para que eu pudesse seguir vivendo. Necessitei de apoio espiritual e físico da minha família, sempre os tive aqui. Mas pensei em coisas que dizia a meus jogadores, que tinham de dar 100%. Se a eles pedia isso, tinha que lutar para me manter com vida”, completou.