Ordem do STF para cópia de mensagens gera mais críticas a inquérito das fake news

​A requisição do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes de cópia integral do material apreendido na operação da Polícia Federal que prendeu suspeitos de hackear autoridades provocou novas críticas ao processo no qual ele emitiu a ordem, o chamado inquérito das fake news.

Para especialistas ouvidos pela Folha, ainda que a decisão pontual de quinta-feira (1º) seja tecnicamente pouco contestável, a origem da investigação compromete a validade da medida.

O professor de direito constitucional da FGV-SP Roberto Dias afirma que há uma série de problemas em relação ao inquérito em si, e não a respeito do despacho.

 

 

“É um inquérito que não tem um fato determinado, com vários problemas jurídicos. [O assunto] não tem relação direta com o próprio objeto do inquérito, que já é bastante amplo de apuração.”

Diferentemente do que costuma acontecer no Judiciário, o Supremo abriu o inquérito sem a provocação do Ministério Público, por iniciativa da própria Justiça.

O inquérito das fake news foi instaurado por determinação do próprio presidente do STF, Dias Toffoli, em março, para apurar notícias falsas e ameaças na internet contra membros da corte. Moraes foi designado por Toffoli como juiz relator.

A iniciativa tem despertado, desde aquela época, reclamações do Ministério Público Federal, visto como um possível alvo das investigações por causa de críticas de procuradores feitas a decisões da corte.
O advogado e professor aposentado da Faculdade de Direito da USP Modesto Carvalhosa entende que houve ilegalidade no despacho de Moraes de quinta-feira.

“É absolutamente ilegal, porque advém de um inquérito manifestamente ilegal. O inquérito em si é um absurdo porque transforma o Supremo em investigador do próprio crime que ele vai julgar. Isso não tem fundamento jurídico, conforme a Procuradoria-Geral da República já claramente mostrou.”

A deputada estadual de São Paulo Janaína Paschoal (PSL), que é professora de direito, também criticou a medida de Moraes. Disse em rede social que, “sem saber qual o objeto, quais as partes e quais os advogados, o tal inquérito pode servir para qualquer coisa”.

Membros do Ministério Público Federal também reagiram. Nesta sexta (2), a Associação Nacional dos Procuradores da República voltou a defender o arquivamento do inquérito em tramitação no Supremo.

Disse que a decisão de Moraes é “mais um capítulo do ilegal” procedimento e que seu encerramento é “imperioso”. “Desde a sua gênese, a investigação citada afronta o Estado Democrático de Direito ao usurpar atribuição do Ministério Público.”

Também na quinta-feira, o ministro Luiz Fux determinou que as provas obtidas na operação contra os hackers, batizada de Spoofing, não sejam destruídas e fiquem copiadas no Supremo. A ordem contraria o que havia sido dito inicialmente pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, de que o material obtido seria inutilizado.

As medidas dos ministros do STF se deram no mesmo dia em que mensagens publicadas pela Folha, em parceria com o site The Intercept Brasil, revelaram que, em 2016, Deltan incentivou colegas a investigar Dias Toffoli.

Para o deputado federal Luiz Flávio Gomes (PSB-SP), que é doutor em direito, a decisão de Fux foi correta, mas o magistrado deveria se afastar do caso por ter o nome citado nas trocas de mensagens reveladas pelo Intercept. 

Reportagem do Intercept publicada em junho aponta que Moro e o procurador Deltan Dallagnol conversaram em 2016 a respeito do apoio de Fux à Lava Jato. O então juiz da operação chegou a dizer no diálogo, segundo o site, “in Fux we trust” (“em Fux nós confiamos”).

“Uma das falas do Deltan é de que o Fux estava com ele. Eu diria que já tem elementos para dizer que está envolvido e que, por consequência, não poderia atuar”, diz Gomes.

Para o professor de direito Antonio Santoro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Fux não deveria determinar o envio de cópia do material apreendido em uma resposta a um pedido para que o material não fosse destruído. O requerimento para garantir a preservação das conversas havia sido protocolado no Supremo pelo PDT.

 

“Para ele trazer a investigação, não caberia naquele âmbito. Teria ser que ser no âmbito de uma investigação específica”, diz o professor.

Para Modesto Carvalhosa, o envio dos dados ao Supremo “é extremamente estranho” por se tratar de material derivado de um crime.

“É aberrante porque transforma o corpo de delito [conjunto de vestígios de um crime] numa peça acusatória contra a própria vítima.”

Já o advogado e professor de direito da PUC-SP Pedro Estevam Serrano avalia que a decisão de Fux está de acordo com as regras processuais do país.

“Existe um princípio chamado poder geral de cautela do juiz. Cautela quer dizer proteção. Se ele [Fux] manda não destruir, mas no final do processo alguém destruir, a decisão final vai ter pouca eficácia prática. Então, ele foi mais cauteloso, mais protetor, mandou não destruir e pediu cópia. Isso está dentro desse poder de cautela do juiz.”

Para o advogado e professor emérito da Universidade Mackenzie Ives Gandra Martins, não houve ilegalidades nas medidas adotadas por Moraes e Fux. “São medidas perfeitamente possíveis porque autoridades dos três Poderes tiveram seu sigilo quebrado de forma ilegal”, afirmou Martins.

O advogado e professor de direito da USP Miguel Reale Júnior também considera lícitos os despachos dos dois ministros. 

“É a confirmação de que qualquer medida que se tome em relação a essas provas, sejam lícitas ou ilícitas, depende do Judiciário. É a demonstração de que o conteúdo, malgrado seja uma prova ilícita, pode vir a servir à defesa de algum réu, algum condenado. É muito importante a preservação da prova”, disse.

Para Roberto Dias, as medidas dos ministros do STF sobre o material apreendido podem fazer com que a corte tenha que se manifestar sobre a validade do uso das conversas como prova. 

Esse eventual desdobramento favorece as defesas de condenados da Lava Jato, que ambicionam anular decisões tomadas no âmbito da Lava Jato com o argumento de que Moro, juiz responsável pela operação, agiu de modo irregular.

“A meu ver, o Supremo vai se deparar com essa questão em breve”, diz o professor da FGV.

 

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