Os 7 mandamentos
Foi Heródoto, o grande historiador da antiguidade, quem contou o episódio. Um dia, o rei da Pérsia mandou chamar um grupo de gregos e perguntou o que pensavam eles da prática funerária de comer os defuntos.
Os gregos horrorizaram-se com a pergunta e gritaram um “jamais” bem sonoro. Os mortos devem ser enterrados, não comidos.
Depois, o rei Dário chamou os calacianos (uma tribo oriental conhecida por esse canibalismo) e quis saber o que pensavam eles da prática de enterrar os mortos. A reação da tribo foi semelhante: jamais, jamais. Os mortos são para serem comidos, não enterrados. Moral da história?
Para Heródoto, o relativismo cultural é um fato empírico. Diferentes culturas vivem (e morrem) de formas igualmente diferentes. Como garantir, “a priori”, que uma delas é superior à outra?
Sempre olhei com desconforto para esta história de Heródoto. Sim, aceito que o relativismo cultural é um fato. Basta viajar para qualquer paragem e observar as práticas nativas. Mas será que isso autoriza um outro tipo de relativismo —o moral?
Não estou a pensar no dilema comer/enterrar. Estou a pensar em práticas menos inofensivas, como apedrejar mulheres adúlteras ou decepar mãos ou braços de assaltantes.
Um relativista cultural diria: cada país, sua sentença. Um relativista moral iria mais longe: cada país, sua sentença —e quem somos nós, ocidentais, brancos, imperialistas, para criticar os outros ou tentar impor os nossos valores?
Não compro essa última versão. Em matéria de humanidade (ou desumanidade), os valores não são apenas “nossos”. Pertencem à espécie enquanto espécie porque o sangue, já dizia Shakespeare, é igual em toda a parte.
Aceitar que a ética muda com a geografia —barbárie para nós, “business as usual” para os outros— implicaria, no limite, que perante as atrocidades de Hitler ou Stálin houvesse apenas compreensão ou silêncio.
É por isso que li com interesse as últimas descobertas da antropologia. Relata o Daily Telegraph que pesquisadores da Universidade de Oxford, liderados por Oliver Scott Curry, estudaram comparativamente 60 culturas humanas. Em busca de regras morais básicas que sejam comuns a todas elas. Conclusões?
Pelos vistos, não existem 10 mandamentos, como vem na Bíblia. Existem sete, que não sofrem grandes alterações culturais. Aqui estão:
“Ajuda a tua família.”
“Ajuda o teu povo.”
“Devolve os favores que recebes.”
“Sê bravo.”
“Respeita os teus superiores.”
“Divide os recursos de forma equitativa.”
“Respeita a propriedade dos outros.”
Por outras palavras: olhando para 60 culturas, e estudando mais de 600 fontes ou documentos, parece que os humanos concordam sobre certas virtudes.
É importante ajudar a família sem necessariamente excluir os outros que nos são próximos.
A ingratidão e a covardia são universalmente desprezíveis.
Há certas figuras de autoridade a quem devemos lealdade ou obediência.
A legítima posse de algo não autoriza o descaso com o destino dos menos afortunados.
Parece simples? Verdade. Tão simples que é legítimo perguntar como é possível complicar tanto.
Mas convém não esquecer a observação certeira do escritor Tristan Bernard (1866-1947): o fato de Deus ter criado o mundo não significa que não seja o diabo a governá-lo.