Os Bernoulli são a família real da matemática
Progressos recentes na neurologia mostram que o cérebro humano é uma estrutura plástica, que pode ser moldada de forma profunda. O órgão à nascença importa muito menos do que o modo como ele é reorganizado ao longo de nossa infância e juventude, por meio da aprendizagem. Então, ninguém nasce “de exatas” ou “de humanas”, isso é determinado pela educação.
Certamente por isso, a vocação matemática é muito menos hereditária do que se imagina. O francês Jacques-Louis Lions (1928 - 2001) foi excelente matemático e seu filho, Pierre-Louis (nascido em 1956), é detentor da medalha Fields. Mas tais situações são raras.
Curiosamente, conheço mais casos em que a vocação “passou” de sogro para genro. Existem até dinastias: Jacques Hadamard (1865 - 1963) foi sogro de Paul Lévy (1886 - 1971), que foi sogro do medalhista Fields Laurent Schwarz (1915 - 2002), que por sua vez foi sogro de Uriel Frisch (nascido em 1940). Não tenho nenhuma explicação razoável para esse fenômeno.
Mas a matemática tem pelo menos uma grande família. Originários da Bélgica, os Bernoulli emigraram para a cidade suíça da Basileia, onde nasceu a primeira geração que nos interessa. De quatro irmãos (e seis irmãs), dois alcançaram renome na matemática: Jacob (1654 - 1705) e Johann (1667 - 1748). Daniel (1700 - 1782), filho de Johann, foi outro matemático de primeiro nível. Seu primo Nicolaus I (1687 - 1759), seus irmãos Nicolaus II (1695 - 1726) e Johann II (1710 - 1790), e os filhos deste, Johann III (1744 - 1807) e Jacob II (1759 - 1789), também fizeram contribuições significativas à matemática.
Os trabalhos dos Bernoulli tratam de temas importantes e muito diversos. Jacob fez avanços pioneiros na teoria da probabilidade —lei dos grandes números, processos de Bernoulli— além de ter descoberto a constante ‘e’ e os chamados números de Bernoulli.
Johann trabalhou em equações diferenciais (equação de Bernoulli) e no cálculo das variações.
Daniel formulou o princípio de Bernoulli da hidrodinâmica, além de ter estudado o paradoxo de São Petersburgo, um importante problema em probabilidade e economia (teoria da decisão) formulado por Nicolaus I.
Os Bernoulli eram extremamente talentosos, mas não eram uma família sem problemas. Havia ciúme enorme entre Jacob e Johann. Depois que esse ficou famoso, Jacob declarava que o irmão havia sido seu aluno, o que irritava Johann.
Os dois brigaram por causa da solução de um problema isoperimétrico (Qual é a maior área que podemos limitar com uma curva de comprimento dado?), a ponto de pararem de se falar em 1697. Jacob desconfiava que Johann queria seu emprego na Universidade da Basileia, que Johann realmente conseguiria depois da morte do irmão.
Johann também se envolveu em sérias controvérsias com o marquês de L’Hôpital, seu patrocinador, e com o próprio filho, Daniel. Essas histórias ficam para a semana que vem.