Os efeitos sistêmicos da corrupção
Os seres humanos superestimam o mal e subestimam o bem; é algo que qualquer pessoa pode intuir, e que aprendi com o meu economista comportamental favorito, Daniel Kahneman.
Um sujeito de cara feia, ou alguém raivoso e exaltado, se destaca em meio a uma multidão feliz ou tranquila muito mais do que um rosto feliz ou calmo se destaca em meio a uma multidão alterada ou enfurecida. Um político, um funcionário público, um juiz competente passará despercebido em meio uma multidão de inúteis (reais ou supostos), mas a presença de um incapaz chamará a atenção sobre todos os seus colegas, e os contaminará.
Diremos que "são todos incompetentes" e, se estivermos diante de um político competente, nos disporemos na melhor das hipóteses a considerá-lo como a exceção que confirma a regra. E nos acreditamos muito astutos ao proceder dessa maneira, que é universal.
Isso acontece não apenas com relação a condutas ou imagens, mas também com relação a palavras, especialmente aquelas que estão carregadas de emoção. As palavras atemorizantes atraem a atenção e mobilizam as emoções mais rapidamente do que aquelas que despertam sentimentos prazerosos.
Palavras truculentas nos capturam com maior eficácia. O crime e a guerra prevalecem sobre a paz e o amor. A palavra em si nos ameaça. E isso acontece com o termo "corrupção". Sentimos a ameaça e superestimamos o mal: todos os políticos, todos os empresários, todos aqueles que mantêm uma posição de poder, de qualquer espécie, são corruptos. E mais: obtiveram essa posição porque o são, ou porque seus pais ou seus avós o foram. Essa tessitura social predominante é, a um só tempo, muito racional e muito nociva.
É muito racional porque nos protege. Os seres humanos atribuem muito mais importância a a evitar perdas do que a obter ganhos, como apontam diversos estudos de economia comportamental. A decepção é uma perda. Psicológica e emocionalmente, é uma perda séria. Se confiarmos em quem nos jura ser honesto ou nos promete uma linha de conduta honesta, poderemos sofrer uma decepção, e nesse caso nos sentiremos pesarosos e humilhados.
Teremos vergonha de nós mesmos por termos sido tão estúpidos. Nem mesmo o "pagar para ver" do pôquer é aconselhável. Se não confiarmos, estaremos protegidos contra todos esses perigos. E quando a confiança dos ingênuos for fraudada, poderemos nos sentir justificadamente perspicazes.
Assim, esse modo de proceder é indiscutivelmente racional. Mas é coletivamente nocivo, porque, sem a confiança social e sem a colaboração coletiva consequente, os comportamentos honestos não poderão prosperar, no plano público.
Estamos no círculo vicioso da sustentação do status quo, somos conservadores no mau sentido da palavra: a superestimativa do mal, que nos leva a desconfiar, termina por nos inibir, por nos desanimar; não agimos, não nos colocamos em movimento, e se o fazemos isso acontece sob impulso da ira, da indignação e, às vezes, de coisas piores, como o ressentimento.
E, se pensarmos bem, quando condenamos indiscriminadamente a todos que "estão lá", recaímos em algo parecido com uma justificação da tolerância à corrupção. "Sim, fulaninha rouba, mas não é isso que todos fazem?" Se "todos fazem", a variável de seleção deixa de ser a exigência de um bom governo e passa a ser a generosidade do governante da vez quanto a soltar parte do dinheiro de que ele dispõe, arbitrariamente, em benefício particular de quem disso necessite (o que significa virtualmente todo mundo, porque mesmo os mais ricos sempre necessitam).
Dessa forma se apagam os signos que nos permitiriam ir além do (indispensável) plano ético para avançar rumo à compreensão social das conexões conceituais e empíricas entre a corrupção e o mau governo, estagnação econômica e desigualdade.
Isso reforça o conservadorismo porque, se cremos que todos são corruptos, creremos forçosamente que nada se possa fazer contra isso salvo depositar as coisas nas mãos de um novo salvador, de direita, de centro ou de esquerda, que nos prometa tudo. Com as consequências conhecidas.
A imensa maioria dos cidadãos vê a corrupção, até hoje, como um jogo de soma zero: porque os recursos ilegalmente obtidos poderiam ser destinados a coisas muito melhores. Mas os efeitos sistêmicos da corrupção não são percebidos. Considerando tudo isso, não é raro que os cidadãos considerem críveis iniciativas supostamente rascunhadas por alguns membros de peso daquilo que se tornou moda chamar de "círculo vermelho", dirigidas a uma anistia delirante aos políticos e empresários acusados de corrupção.
É difícil acreditar que essa ideia, ainda que pareça verossímil para muitos, tenha algo de verdade. Mas ela ainda assim deixa uma pergunta: será que o combate à corrupção poderá, nos próximos 12 meses - que compreendem a campanha eleitoral, as votações e os primeiros 100 dias do novo governo -, ser submetido a um tratamento cooperativo?
O uso do termo "grieta" [rachadura, fenda] nunca me convenceu, e nunca acreditei que ele pudesse expressar a complexidade das tensões político-culturais na Argentina. Mas, aceitando-o como sério por um momento, o que significaria eliminar essa separação, no combate contra a corrupção? Significaria deixar que a Justiça aja, sob controle ativo, muito ativo, por parte dos cidadãos, e em ritmo compatível com evitar caças às bruxas, cruzadas justiceiras e imputações generalizadas de culpa à direita e à esquerda, o que implica evitar cair na tentação fácil das filiações tanto familiares quanto políticas.
Se essa oportunidade pudesse ser aproveitada a sério, seria uma ocasião excelente para que os políticos responsáveis se aproximassem, e obtivessem dos cidadãos um capital de confiança que beneficiaria a todos coletivamente, e não a uns em detrimento de outros.
Vicente Palermo é cientista político e ensaísta argentino, fundador do Club Político Argentino e ganhador do Premio Nacional de Cultura em 2012 e do Premio Konex de Platino em 2016.
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Tradução de Paulo Migliacci