Pais que não vacinam os filhos devem ser multados? NÃO
Os benefícios proporcionados pelas vacinas para a humanidade são inequívocos, representando uma das principais medidas de saúde pública que contribuíram para reduzir hospitalizações, mortes e sequelas associadas a diversas doenças.
No Brasil, o PNI (Programa Nacional de Imunizações), criado em 1971, é citado como referência mundial e acumula inúmeros êxitos. Diversas doenças que outrora causavam milhares de casos, algumas com desfechos dramáticos, foram erradicadas, eliminadas ou controladas e reduzidas a poucos casos esporádicos.
Importante destacar que, para mantermos a população livre do risco do retorno de muitas dessas doenças, há a necessidade de que pelo menos 95% das pessoas estejam imunizadas e protegidas.
Os motivos que levam muitos pais a não vacinarem seus filhos são vários e merecem reflexão.
O desaparecimento de algumas doenças fez com que as jovens gerações não tenham a percepção da gravidade delas, subestimando a importância da vacinação. Não é negligenciável o efeito negativo que grupos antivacina e a disseminação de notícias falsas provocam, associando levianamente as vacinas ao desenvolvimento de doenças graves e atribuindo a elas a ocorrência de efeitos adversos inexistentes.
Dificuldades logísticas, desabastecimento de alguns imunobiológicos e horários limitados de funcionamento dos postos de saúde também contribuem para a queda das coberturas de vacinas.
A estratégia de tornar a vacinação compulsória, estabelecendo medidas punitivas para os pais que não vacinam seus filhos, foi colocada como uma possível solução.
No nosso entendimento, medida punitiva é claramente um equívoco e em absoluto representa uma real possibilidade de resolver esse problema. A experiência de outros países democráticos com essa estratégia foi desastrosa.
Estudo publicado recentemente na Europa constatou que a adoção da vacinação compulsória por alguns países não trouxe nenhum benefício. Ao contrário, em alguns locais as coberturas vacinais só melhoraram após a revogação das medidas punitivas.
Em uma sociedade democrática, a adoção de obrigatoriedade necessita o estabelecimento de situações de exceção, para os pais e para os médicos, motivados por diferentes aspectos, o que dificulta e em muitas situações inviabiliza a aplicação de multas na prática.
Curiosamente, pesquisas epidemiológicas realizadas em diversas capitais do Brasil identificaram que a maior proporção de falha nas coberturas vacinais ocorre entre crianças das classes A e B, ou seja, aquelas com melhores condições socioeconômicas.
Entre as populações menos privilegiadas, entretanto, as dificuldades de acesso aos serviços de saúde seguramente representam um potencial obstáculo, que obviamente não seria resolvido com multas ou medidas punitivas.
Todos esses argumentos esgotam qualquer plausibilidade de imaginar que estabelecer uma multa para pais que não vacinam seus filhos seja algo exequível e efetivo para melhorar nossas coberturas vacinais.
Prover a sociedade com informações de qualidade, baseadas em evidências científicas, nos parece uma estratégia mais efetiva e correta que estabelecer multas ou outras medidas punitivas e coercitivas.