Piscina de bolinhas e nus quase humanos narram 50 anos de realismo no CCBB
“Dá vontade de desligar o ar-condicionado”, diz a produtora Fabiana Farias ao fitar a mulher nua que esconde os seios com os braços em uma sala do Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo. “Christine I” exibe também a marca sutil de uma calcinha apertada contra seu corpo de bronze policromado.
A figura, de cabelos acrílicos e aparência de 50 anos, foi esculpida por John De Andrea. Desnuda com certo pudor, emana um aspecto tão real que parece mesmo arrepiada de frio na exposição inaugurada nesta quarta-feira (7).
O escultor americano impressiona pela verossimilhança de seus trabalhos há mais de 40 anos. Na Documenta de Kassel de 1972, mostra que ficou conhecida pela inclusão de obras que representavam objetos e cenas da vida cotidiana com grande realismo, De Andrea e outros artistas ajudaram a consagrar o que ficou conhecido na arte como hiper-realismo. Ali, receberam severas críticas de gente que acreditava que eles eram meros copistas.
Engraçado pensar que agora, na exposição “50 Anos de Realismo”, os pioneiros dessa corrente artística talvez apresentem o que há de menos real entre as cerca de 90 obras.
“Até que ponto as pessoas vivem hoje na realidade crua?”, questiona a curadora Tereza de Arruda. “Quis trazer a discussão para o nosso tempo e, por isso, decidi que a exposição começaria no fotorrealismo e chegaria à realidade virtual.”
O percurso, de fato, começa a partir de pinturas das décadas de 1970 e 80 que mostram com precisão fotográfica o estilo de vida americano. Nas obras do britânico John Salt e do americano Ralph
Goings estão estacionamentos, trailers e caminhonetes; mesas de lanchonetes com jarros, saleiros e ketchups.
Na tela “Two Men at Diner” há lugar até para o típico aviso de bar em papel surrado com caligrafia arredondada, avisando que o local estará fechado nos dias 29 e 30 de julho, mas reabrirá no dia 31.
A mostra segue então seu passeio por gêneros da pintura —recorre a naturezas-mortas, paisagens urbanas e rurais até chegar na série de retratos, alguns deles de técnica tão precisa que passariam facilmente por fotografias ampliadas, caso dos trabalhos dos britânicos Simon Hennessey e Paul Cadden.
Aos poucos, no entanto, o realismo que o CCBB expõe começa a apresentar uma nova atmosfera, inserindo na sua seleção pinturas com doses de expressionismo do argentino Ricarco Cinalli e esculturas bem-humoradas do dinamarquês Peter Land, a exemplo do braço em riste que sobrou de um corpo soterrado por tijolos e um corpo de tecido com dez metros de comprimento que cai levemente sobre o hall do edifício.
O vídeo do japonês Akihito Taniguchi, no qual o avatar do próprio artista dança energicamente por ambientes que vão do campo a praia, mostra que, na realidade que agora nos é apresentada, dois corpos ocupam, sim, a mesma posição no espaço. Vemos até oito Taniguchis cruzando o mesmo corpo e ampliando o espectro do movimento.
“É importante observar como a história das representações hiper-reais evoluiu. À medida que as mídias se desenvolveram, os artistas afrouxaram o controle do fotorrealismo em favor de realidades distorcidas, que ainda parecem reais”, diz o artista alemão Felix Kraus, que apresenta na exposição as pinturas “Cutting Sunday” e “The Beginning of the End of The World”.
As duas telas de acrílica, ao receberem uma projeção 3D, tornam-se paisagens quase fantasmagóricas. Para um espectador pouco atento, porém, parecem simples videoprojeções.
Essas distorções entre ficção e realidade são evidenciadas na exposição de forma crescente e não só nas peças de Kraus, que as assina como The Swan Collective. Não à toa, a distância entre o real e o ficcional fica cada vez menor nas obras do subsolo do CCBB, espaço que marca o fim do percurso proposto pela curadoria.
Assim, o visitante passa por um trajeto que começa no fotorrealismo e termina na realidade virtual. Neste último setor, as pinturas realistas do alemão Sven Drühl foram extraídas a partir de frames de videogames. Já os vídeos do também alemão Andrea Nicolas Fischer apresentam paisagens fictícias, bastante naturalistas, criadas pelo próprio artista.
A imersão termina em uma sala com uma parede pintada de azul que ampara uma banheira repleta de bolinhas de plástico transparentes.
É o convite para que o espectador mergulhe na estrutura e, munido de seus óculos 3D, transporte-se para a animação da artista alemã Bianca Kennedy. No mundo virtual, a banheira passa a ser habitada por outros seres e o espaço agora é compartilhado com um menino de cabeça solta, desprovido do corpo, uma mulher que se masturba tranquilamente e um homem que treina apneia com um relógio preso à mão.
“Mesmo que meus desenhos sejam bastante reduzidos e estejam longe de serem hiper-reais, na realidade virtual o conteúdo pode ser percebido como real”, diz Kennedy.
“O fone de ouvido toma conta dos sentidos e o cérebro é levado a pensar que o que você vê e ouve é um novo tipo de realidade”, afirma.
Em seis minutos, a animação da artista, criada a partir de 180 desenhos, apresenta humanos de traços falhos que parecem flutuar em um ambiente branco e azul-esverdeado.
Saímos da experiência mareados. Virtual ou não, a realidade pode ser vertiginosa.