Pivô de crise em agência coleciona polêmicas no bolsonarismo
A mulher no centro da disputa que derrubou o segundo presidente da Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimento) no governo Bolsonaro é uma veterana em polêmicas no entorno do presidente.
Uma das pioneiras do grupo voluntário que aderiu à campanha do então deputado antes mesmo de ela existir oficialmente, Letícia Catelani coleciona disputas internas no bolsonarismo. É chamada de protegida do chanceler Ernesto Araújo pelo diretor derrubado da vez, o diplomata Mario Vilalva.
Suas polêmicas na Apex não esperaram a segunda semana de janeiro, quando caiu o primeiro indicado ao posto de presidente, Alex Carreiro. Sem qualificação legal mínima, como falar inglês, ele também não se dava com Letícia —que gosta de se apresentar com o sobrenome Catel.
Antes, ela havia assumido a diretoria de Negócios da Apex, que era ocupada por Márcia Nejaim, mulher do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida. Inicialmente, ninguém na agência compreendeu a mudança, dado que Márcia era considerada um quadro técnico de ponta.
A explicação estava no "sangue azul" bolsonarista que corre nas veias política de Letícia. Ela é amiga de Eduardo Bolsonaro, o filho deputado federal do presidente. Fizeram cursos juntos no Instituto Ludwig von Mises de São Paulo, um ponto focal de ideias liberais que se dizem emprestadas do economista austríaco que nomeia a instituição.
A proximidade dos dois também se dá na esfera das armas, obsessão do clã Bolsonaro. Letícia e Eduardo praticavam tiro juntos, e a diretora postava diversas fotos armada —não mais localizáveis em sua página no Facebook. Ela gostava de praticar com sua pistola Glock e também foi autora de diversas postagens em defesa do direito de portar armas.
Como todos nesse núcleo dito ideológico, eles também comungam de ideias do guru do bolsonarismo, o escritor Olavo de Carvalho.
Letícia assim estava no centro do movimento bolsonarista em sua origem, assim como os amigos Victor Metta, advogado, e Otávio Fakhoury, investidor do mercado financeiro. Os três formaram o núcleo de voluntários que ajudou a estruturar o PSL paulista no começo da campanha eleitoral —Metta virou tesoureiro e faz-tudo, como se autodenominava, e Letícia assumiu a secretaria-geral.
O partido no estado era comandado pelo hoje senador Major Olímpio, que nunca tolerou Letícia. Ela passou a se apresentar como assessora pessoal do então candidato Bolsonaro, visitando redações para negociar termos de participação em debates. Em agosto de 2018, bateu boca com uma jornalista de TV e tentou centralizar os grupos de WhatsApp que se multiplicavam na mambembe campanha.
Tal protagonismo irritou Olímpio e também ao então poderoso Gustavo Bebianno, presidente interino do PSL que viria a ser o primeiro ministro a ser demitido por Bolsonaro. Eles expeliram Letícia do cargo, e ela manteve apenas presença como voluntária na campanha.
Com a vitória do atual presidente, ela voltou a aproximar-se do núcleo central. Foi levada por Eduardo para participar da confusa transição de governo no Itamaraty, em que Araújo montou um grupo mínimo para preparar sua chegada ao cargo.
Um dos embaixadores da antiga gestão responsáveis pela interlocução do grupo se dizia abismado com a falta de, ironicamente, diplomacia da turma. Lá estavam Letícia e Filipe Martins, então secretário de Assuntos Internacionais do PSL e hoje conselheiro de Bolsonaro para o tema, uma das figuras de proa do olavismo no governo. Filipe é amigo de todos nesse núcleo: Eduardo, Araújo e Letícia.
Havia também no grupo um ministro-conselheiro, um terceiro-secretário e sua mulher tradutora e um advogado da União lotado no Itamaraty. Mas era Letícia quem se sobressai, segundo o embaixador, ao falar em nome de Araújo em encontros.