Polícia reprime novo protesto por eleições livres na Rússia
Pelo terceiro sábado consecutivo, moscovitas foram às ruas para criticar a falta de liberdade no sistema eleitoral russo e, por extensão, o arcabouço institucional que sustenta o presidente Vladimir Putin, que completa 20 anos no poder na sexta (9).
Como na semana passada, a repressão policial foi pesada, com barreiras de soldados por todo o centro da capital. Ao menos 89 pessoas foram detidas por participar de protesto sem autorização oficial, segundo a ONG OVD-Info.
O número não foi maior do que no dia 27 de julho, contudo, quando 1.373 manifestantes foram para a cadeia —60 foram condenados a passar um mês na prisão, e 164, a pagar multas.
Colaborou para isso o fato de que a polícia já havia passado a semana apertando o cerco aos ativistas. Na quinta (1), dez deles foram indiciados e podem pegar até 15 anos de prisão por incitar revolta social.
A ONG, que monitora protestos, não havia calculado quantos ativistas participaram do ato. No sábado passado (27), foram 3.500, ante os recordistas 22,5 mil que ocuparam o centro de Moscou no dia 20 de julho.
A manutenção da mão dura sobre os ativistas demonstra que Putin não está disposto a deixar o movimento evoluir em seu termo final no cargo, e sinaliza também que suas opções estão acabando.
Ele tem mandato até 2024, quando terá 72 anos. Se não mudar as regras, terá de esperar um governo inteiro de seis anos para poder se candidatar novamente.
A atual onda de manifestações na Rússia é a terceira desde 2012, quando houve os maiores protestos no país desde o fim da União Soviética, em 1991. Naquele ano, o alvo era Putin, recém-reeleito.
Misturando repressão e concessões pontuais como eleições para governos locais, o presidente acabou controlando a situação.
A anexação da Crimeia da Ucrânia, em 2014, catapultou sua popularidade para níveis acima de 80%, e apenas em 2017 os russos voltariam às ruas —agora liderados pelo blogueiro Alexei Navalni, à frente de uma cruzada contra a corrupção.
Os atos daquele ano e de 2018 foram mais espraiados pelo país, alimentados por uma simples e eficaz rede de ativistas digitais. Navalni tornou-se, no Ocidente, o que outros foram antes: alguém que poderia desafiar Putin.
Ajudou sua fama ter sido barrado, por ter uma condenação judicial que diz ter sido armada, para concorrer à Presidência em 2018. Ainda assim, pesquisas de opinião davam intenções de voto quase nulas ao jovem ativista.
O estopim dos protestos agora é o sistema eleitoral russo, que dificulta ao máximo o registro de candidatos.
"Se você errar uma vírgula, te cortam", diz o marqueteiro Vitali Shkliarov, que em 2017 bolou um site para ajudar interessados a concorrer a vagas nos 110 conselhos locais de Moscou para uma aliança de partidos liberais.
Resultado: um desempenho expressivo no pleito, inclusive com vitória total no distrito em que Putin vota. Nada que mudasse a história do país, dado que os cargos são quase simbólicos, mas ainda assim um sinal de alerta ao Kremlin.
Shkliarov não é um aliado de Navalni, preferindo trabalhar com partidos tradicionais, como o Iabloko, mas agora estão todos no mesmo barco. O marqueteiro opera desde São Petersburgo, segunda maior cidade russa.
A eleição agora é para a Duma municipal, um misto de Câmara de Vereadores e Assembleia Legislativa de Moscou. São 45 vagas, uma por distrito, que em 2014 foram disputadas por 258 candidatos.
A Comissão Eleitoral indeferiu 57 candidaturas, inclusive 17 de líderes ligados a Navalni, levando ao surpreendente protesto de 20 de julho, o maior da história pós-soviética em Moscou.
Desde 2004, toda manifestação na Rússia precisa ser autorizada. Apesar de aquele primeiro ato ter sido sancionado, a polícia acusou Navalni de tê-lo desviado para áreas centrais que estavam vetadas.
Com isso, no dia 24 ele foi preso para mais uma temporada na cadeia, a 25ª do ativista desde 2011, segundo contas da Radio Free Europe.
Líderes do protesto, como Liubov Sobol e Dmitri Gudkov, tiveram suas candidaturas vetadas. Sobol, que foi presa neste sábado antes do protesto, é produtora do canal de YouTube de Navalni e uma estrela em ascensão na política alternativa russa, enquanto Gudkov é filho de um ex-aliado de Putin que tornou-se dissidente do Kremlin.
"Não é o caso de falar que haverá uma revolução, mas agora Putin enfrenta o dilema que todo autocrata há muito tempo no poder tem. Violência é tanto a chave para sua sobrevivência como carrega o germe que leva à sua queda", afirma Sam Greene, diretor do Instituto da Rússia do King's College, de Londres.
Escrevendo no blog do britânico Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, Greene lembra que o presidente precisa do apoio das elites russas para manter seu poder. Como elas são vistas pela classe média como parasitárias, contam com a popularidade de Putin para mediar o equilíbrio do país.
Os entrechoques, se continuarem, podem romper isso e fragilizar o entorno do presidente. Os motivos são vários.
A aprovação de Putin caiu para a casa dos 60% desde que fez no ano uma passado uma impopular reforma da Previdência, e a renda média do russo vem decrescendo de forma constante há cinco anos, com o país lutando para sair da recessão que o dragou de 2015 a 2016.
Esse flanco doméstico é o calcanhar de Aquiles de Putin, que vem colhendo vitórias estratégicas no exterior, em seu embate com o Ocidente —como a aproximação da Turquia, membro da Otan (aliança militar ocidental) e o prolongamento do conflito no leste ucraniano.
No mês passado, o Kremlin anunciou que irá fazer um grande acordo militar com a China, cimentando a parceria entre os países.
Para analistas, isso tanto reforça a posição de Putin como o fragiliza, pois a tendência seria a Rússia tornar-se uma província energética de Pequim, país muito mais poderoso economicamente.
Tudo isso se coloca no contexto da incerteza sobre a sucessão de Putin.
Em Moscou, diversos cenários são especulados: a indicação de um sucessor, a repetição de sua permanência no Kremlin como premiê, como ocorreu de 2008 a 2012, ou mesmo a criação de um novo Estado unido com a Belarus —e presidido pelo russo.