Polêmica sobre despojos de Franco encontra eco em outras ex-ditaduras
A polêmica em torno da proposta de exumação do ditador espanhol Francisco Franco de seu mausoléu no Vale dos Caídos suscita a questão de como diversos países lidaram com os despojos de ditadores, autocratas ou outras figuras públicas controversas.
A resposta varia de acordo com a manutenção ou não do status quo político no momento das mortes dessas personalidades. Mudanças posteriores no panorama político muitas vezes acarretam questionamentos sobre se o tratamento dado ao morto teria sido apropriado, podendo levar a exumações e novos enterros em condições menos laudatórias, como no caso espanhol.
“Creio que uma democracia madura e europeia, como a nossa, não pode ter símbolos que dividem os espanhóis”, afirmou o premiê espanhol, Pedro Sánchez, defensor da exumação de Franco, ao jornal El Pais.
O caso mais conhecido de líderes cuja memória —e corpo— é preservada é o de Vladimir Lênin, líder da Revolução Russa e um dos fundadores da União Soviética. Sua múmia está exposta em mausoléu na praça Vermelha, em Moscou, mas há questionamentos no país sobre uma possível transferência.
Ao seu lado antes estava o corpo embalsamado de Josef Stálin, por dez anos após sua morte. Porém, o processo de “desestalinização” no país fez com que ele fosse transferido a um túmulo mais discreto nas proximidades do Kremlin – e que ainda é reverenciado por comunistas das antigas.
O líder vietnamita Ho Chi Minh também está exposto em Hanói, em um mausoléu modelado a exemplo do de Lênin. A praça Tiananmen, em Pequim, abriga o gigantesco mausoléu do líder da Revolução Chinesa Mao Tse-Tung, exposto em um caixão de cristal.
O túmulo de Hugo Chávez, da Venezuela, é exibido no Museu da Revolução, em Caracas, enquanto os corpos embalsamados de Kim il-Sung e Kim Jong-il podem ser visitados em Pyongyang.
No Brasil, figuras centrais da ditadura militar, como os generais Emilio Garrastazu Médici e Ernesto Geisel, estão enterrados no cemitério São João Batista, no Rio. Geisel foi sepultado em 1996, onze anos após o retorno à democracia, com honras militares.
Há casos notórios em que o destino dos corpos é desconhecido. Após casar-se com Eva Braun, Adolf Hitler se suicidou no bunker em Berlim, diante da aproximação do Exército Vermelho em 1945. Havia deixado recomendação expressa de que seus corpos fossem queimados. Mas a União Soviética sempre duvidou dessa versão, e há diversas teorias conspiratórias de que Hitler fugiu e veio parar na América Latina. O bunker foi destruído; hoje, o local é um estacionamento.
Os despojos de Rufold Hess, braço direito de Hitler que morreu na prisão em 1987, foram secretamente exumados em 2011 na Baviera. Seu túmulo, que havia se tornado um dos principais pontos de peregrinação neonazista na Alemanha, foi destruído. Os restos de Hess foram então cremados e as cinzas, jogadas no mar.
Presos após um levante anticomunista em 1989, o ditador romeno Nicolae Ceausescu e sua mulher Elena foram presos, sumariamente julgados e executados por um pelotão de fuzilamento. Foram então enterrados em Bucareste.
Em 2010, especialistas forenses exumaram os restos mortais para realizar testes de DNA que comprovassem a identidade dos Ceausescu. Depois, a família fez um novo funeral para o casal, enterrado no mesmo cemitério.
Após uma morte violenta e amplamente divulgada nas mãos de rebeldes, o ditador líbio, Muammar Gaddafi, foi enterrado no deserto, em local desconhecido e não sinalizado. O objetivo era evitar que seu túmulo virasse um ponto de peregrinação. O governo provisório descartou pedidos de entidades de direitos humanos para que uma autópsia independente fosse realizada.
Na época, o jornalista Christopher Hitchens objetou na revista Slate o fim do líder líbio, mas sumarizou o sentimento de muitos que fizeram fila para ver seu corpo exposto na câmera frigorífica. “Ao fim de um regime obsceno, é natural que as pessoas esperem por algo como um exorcismo. É satisfatório ver o cadáver de um monstro e ter a certeza de que ele não voltará”, escreveu.
Também para evitar um culto à personalidade, o corpo do terrorista Osama bin Laden foi lançado ao Mar da Arábia, em 2011. O presidente Barack Obama decidiu na época não revelar fotos do cadáver do terrorista. “Não exibimos como troféu este tipo de coisa”, afirmou.
O ditador Saddam Hussein, executado pelo governo iraquiano em 2006 em um enforcamento transmitido pela TV, chegou a ser enterrado no mausoléu da família em Tikrit. O local foi bombardeado durante combates entre membros do Estado Islâmico e forças do governo, e o destino de seu corpo é desconhecido.
Outro que sofreu uma morte violenta nas mãos de opositores foi o líder fascista italiano Benito Mussolini. Capturado ao lado da amante tentando fugir pela fronteira da Suíça, os dois foram mortos a tiros e expostos à execração pública em Milão.
Inicialmente, Mussolini foi enterrado em um túmulo sem identificação. Em 1946, seu cadáver foi roubado por neofascistas. Após recuperá-lo, quatro meses depois, autoridades decidiram mantê-lo em local secreto por dez anos. Apenas em 1957 ele foi enterrado na cripta da família Mussolini, na cidade de Predappio, onde é visitado por neofascistas.
Desprestigiado no momento de sua morte, em 1998, o líder cambojano Pol Pot teve seu corpo preservado por grandes barras de gelo até que fosse identificado pelas autoridades, em Choam Sa-Ngam.
Supostamente para evitar uma autópsia que comprovasse seu assassinato – oficialmente, ele teve um ataque cardíaco –, Pol Pol foi cremado de modo improvisado com a ajuda de pneus. O local é sinalizado por uma placa que diz: “Pol Pot foi cremado aqui”.
“Pensava que ele fosse o tipo de líder nacional que normalmente seria colocado num túmulo chique”, disse Seng Ra, à agência cambojana Voa. Aos 27 anos, ela não viveu a era do Khmer Vermelho, cujo regime de terror custou a vida de 1,7 milhão de pessoas.
Mao Saroeum, 63, pensa diferente. “Ele não nos deixou nada além de dor e famílias separadas”, disse à Voa.
Provavelmente um dos casos mais bizarros de roubo de cadáveres é o da icônica primeira-dama argentina Eva Perón. Morta aos 33 anos, ela teve o corpo embalsado e exposto no sindicato dos trabalhadores, em Buenos Aires. Depois que seu marido, Juan Perón, foi derrubado em um golpe em 1955, militares roubaram o corpo e o esconderam.
Evita passou por uma odisseia macabra, contada em “Santa Evita”, do escritor argentino Tomás Eloy Martínez. Investigações indicam que o corpo chegou a ser mantido em um veículo estacionado nas ruas de Buenos Aires, guardado dentro do sistema de abastecimento de água da cidade e até escondido atrás de uma tela de cinema.
Com temor de que peronistas o encontrassem, o corpo foi enviado pelo ditador Pedro Aramburu para Milão, onde foi enterrado sob falso nome.
Finalmente, em 1974, Isabelita, mulher e sucessora de Perón após sua morte, conseguiu a devolução do cadáver. Um dos dedos das mãos faltava.
Desde então, Evita descansa no mausoléu da família no cemitério da Recoleta, Buenos Aires, onde é visitada por admiradores diariamente.