Por inclusão feminina, Real Sociedad tira 'garotos' do hino e agrada capitã do time
O torcedor da Real Sociedad (ESP) que se acostumou a cantar o hino do clube nas arquibancadas do estádio Anoeta, em San Sebastián, na comunidade autônoma do País Basco, precisou reaprender a letra recentemente.
Em outubro do ano passado, os dirigentes bascos fizeram uma pequena mudança no texto da canção para torná-la mais inclusiva às mulheres que representam a Real Sociedad, tanto em campo quanto nas arquibancadas.
Composta em 1970 pelo cantor Ricardo Sabadie, a música tinha dois trechos que traziam a palavra "mutilak", cuja tradução do euskera, idioma local, significa "garotos".
Esses dois trechos foram suprimidos e, em troca, ganharam "reala", referência ao nome do clube em basco.
Para os torcedores mais tradicionalistas, a mudança em um elemento histórico como o hino causou revolta. Houve quem chamasse o próprio time do coração de hipócrita por fazer a mudança, bradando que a nova letra era simplesmente desnecessária.
Mas houve, também, quem comemorou a renovação na música. Como a capitã do time feminino Sandra Ramajo, 31, emblema das mulheres que vestem a camisa branca e azul.
"Que o clube inclua a mulher no hino faz com que a gente se sinta mais pertencente a ele. Não só as jogadoras, mas também as funcionárias e todas as torcedoras. Como jogadora veterana que sou, ver essa mudança depois de tantos anos é um gesto que valoriza todo o trabalho que muitas mulheres vêm fazendo", diz Ramajo à Folha.
Sobre a resistência de alguns setores da torcida do clube basco com a mudança no hino, a lateral direita entende que há um processo de entendimento em curso sobre o que é igualdade de gênero, e que mais cedo ou mais tarde esses mesmos torcedores passarão a encarar a nova letra com naturalidade.
"Quando há uma mudança em qualquer coisa na vida, custa para que as pessoas a aceitem. É como uma tradição que é retirada, mas, com o passar do tempo, elas vão entender. A sociedade está dando passos pela igualdade e essa modificação no hino é um passo a mais", afirma.
Nascida na cidade de Irún, pertencente à província basca de Guipúzkoa, Ramajo é cria da casa.
Defendendo a Real Sociedad desde a temporada 2008, já ultrapassou os 200 jogos com a equipe e viu de perto o desenvolvimento do esporte feminino no clube.
Hoje, a instituição conta com dois times de futebol (o principal e o B) e uma equipe de hóquei sobre a grama.
E não é só dentro do elenco que a capitã tem ascendência. Representando a Real Sociedad, Ramajo tem sido também uma das vozes mais ativas na liga espanhola em defesa de um convênio coletivo para os times femininos.
Entre os pontos mais importantes da proposta das atletas estão: o estabelecimento de um salário mínimo para as jogadoras; a garantia do recebimento integral dos salários em períodos de longas lesões; melhores horários para treinamentos; e a criação de uma espécie de "fundo de garantia", que proteja totalmente jogadoras que ficarem grávidas.
O que as atletas já conseguiram foi a extinção de uma antiga cláusula utilizada por alguns times do futebol espanhol que dava às agremiações poder para romper de maneira abrupta e unilateral os contratos de gestantes, deixando-as desamparadas.
Sandra Ramajo, por exemplo, se recuperou recentemente de uma grave lesão no joelho esquerdo (ruptura do ligamento cruzado anterior) e disse ter apoio total do clube no processo de recuperação, mas sua equipe ainda é uma exceção.
"Alguns clubes, como é o caso da Real Sociedad, levam anos dando passos pela igualdade, mas em outros os direitos das jogadoras são menores. Nós, jogadoras, e os sindicatos, estamos conversando para conseguir um convênio que faria com que nos sentíssemos mais protegidas", completa a lateral.
Algumas companheiras suas na Real Sociedad precisam aliar o calendário de treinos e jogos com os estudos ou o trabalho fora do futebol.
Essa é uma realidade do futebol espanhol, no qual o Barcelona, cujo salário médio ronda os 2.000 euros (cerca de R$ 8.400), é exceção –há salários em outros clubes que vão de 150 a 200 euros mensais (de R$ 630 a R$ 850).
No clube catalão, que se transformou em uma marca mundial graças ao sucesso do time masculino nos últimos 15 anos, as atletas podem viver apenas do futebol. Um futuro que Sandra Ramajo, e outras tantas jogadoras espalhadas pelo país, querem para elas e para as futuras gerações.