Por que Netflix e Amazon renovam menos séries que os canais tradicionais
No modelo de negócios das TVs americanas que ainda vigora, as séries se tornam um produto mais rentável somente após quatro ou cinco temporadas. O volume de episódios facilita a comercialização para outros mercados e outras mídias, além de estimular a programação de reprises.
Por este motivo, as empresas adotam uma certa cautela antes de tomar a decisão de cancelar séries. Desistir de um programa precocemente, após uma ou duas temporadas, significa abrir mão de lucros futuros.
Uma pesquisa divulgada nesta semana mostra que os serviços de streaming não estão seguindo a mesma política dos canais tradicionais. Segundo o levantamento da Ampere Analysis, Netflix e Amazon são muito mais rápidas e implacáveis que as grandes redes de TV e os canais a cabo na hora cancelar séries.
Segundo a empresa britânica, que analisou programas renovados ou cancelados no mercado americano entre setembro de 2018 e março de 2019, 12 das 13 séries da Netflix canceladas nesse período tinham duração de três temporadas ou menos.
Ainda segundo a Ampere Analysis, as séries sobrevivem, em média, a quatro temporadas nos canais a cabo e a seis temporadas nas grandes redes.
"Este é um sinal de alerta para os produtores", diz Fred Black, que assina o relatório da pesquisa, citado pelo site da revista The Hollywood Reporter. "Pode ser mais fácil receber uma encomenda da Netflix, mas é provável que você seja dispensado em duas ou três temporadas."
Segundo o analista, uma cláusula do contrato da Netflix com produtores estabelece que, em caso de cancelamentos, eles não podem desenvolver a mesma série em outros canais.
Curiosamente, a empresa faz o oposto —produz séries canceladas pela concorrência. Foi o caso, entre outros, de "Arrested Development", que teve três temporadas no FX entre 2003 e 2006 e foi revivida pela Netflix em 2013.
Além do impacto sobre o mercado de produção, a política de renovação e cancelamentos da Netflix sinaliza que a empresa prioriza a novidade em relação à fidelidade dos fãs, como observa Black. Suspeito, porém, que esta atitude seja temporária.
Um outro estudo, da mesma Ampere Analysis, mostra que o serviço de streaming tem prioridades mais urgentes no momento. Segundo o levantamento, em dezembro do ano passado, 11% do catálogo da Netflix nos Estados Unidos já era formado por produções próprias, contra apenas 4% há dois anos.
A Netflix está correndo para engordar o seu catálogo diante da remoção de títulos por parte de grandes estúdios, que agora estão investindo nos seus próprios serviços.
Como é sabido, a Disney, que adquiriu a 21st Century Fox, vai lançar ainda este ano o seu serviço, chamado de Disney+. A AT&T, dona da Warner e da Turner, também se prepara para oferecer um serviço do gênero. E a Apple acaba de comunicar que terá o seu, batizado Apple TV +.
O investimento da Netflix em originais, esboçado em 2012, com a coprodução de "Lilyhammer", se iniciou, de fato, em 2013, com "House of Cards". Nos últimos três anos, este processo se acelerou de forma espantosa, com impacto em vários mercados de produção, inclusive o brasileiro.
Está muito claro hoje que o serviço de streaming deixou de ser apenas um distribuidor de conteúdo e busca rivalizar com os grandes conglomerados de comunicação.