Prefeito de NY vê doações sob escrutínio exame ao decidir pré-candidatura à Casa Branca
Bill de Blasio faz o mais importante cálculo político de sua vida pública.
Casado com uma escritora negra que no passado se declarava gay, o prefeito de Nova York tem reforçado seu discurso em favor das causas LGBT e de meio ambiente para tentar se colocar como candidato do Partido Democrata na eleição presidencial dos EUA.
A oposição a Donald Trump já tem 21 nomes na disputa do ano que vem, e Blasio luta por espaço entre a ala mais à esquerda do partido —e que pode ser chave para vencer o presidente americano.
Aos 58 anos e em seu segundo mandato, o prefeito acredita que tem a roupagem —e a retórica— necessária para o posto, apesar de ainda não admitir publicamente seu desejo de concorrer à Casa Branca.
Seus movimentos, porém, são passos concretos de um homem que se prepara para entrar na corrida sucessória.
Nas últimas semanas, o prefeito viajou pelo país, promoveu eventos para arrecadar dinheiro para sua fundação, encontrou-se com ativistas e, numa cidade majoritariamente progressista, escolheu um alvo fácil no diálogo com seu eleitor: o presidente Jair Bolsonaro.
Primeiro democrata a governar Nova York depois de vinte anos —foi eleito em 2013 com 73% dos votos—, Blasio liderou a pressão de políticos e ativistas que fez Bolsonaro cancelar sua ida à cidade.
Na noite de 14 de maio o presidente receberia em um hotel da Times Square o prêmio de Pessoa do Ano, promovido pela Câmara de Comércio Brasil-EUA.
Desde o mês passado, o prefeito pedia que o Museu de História Natural de Nova York —onde inicialmente ocorreria o jantar de gala— não recebesse o evento e não poupava Bolsonaro de ataques.
Chamou o brasileiro de “ser humano muito perigoso”, por suas opiniões racistas e homofóbicas, e comemorou o cancelamento da viagem —Bolsonaro agora vai receber a homenagem em Dallas, no Texas.
“Jair Bolsonaro aprendeu da maneira mais difícil que os nova-iorquinos não fecham os olhos para a opressão. Chamamos atenção para sua intolerância. Ele fugiu. Nenhuma surpresa —valentões não aguentam um soco. Já vai tarde. Seu ódio não é bem-vindo aqui”, escreveu Blasio.
Bolsonaro não escondeu o motivo de ter desistido de ir a Nova York. Disse que os “ataques deliberados” do prefeito, a quem chamou de “radical”, haviam sido fundamentais para sua decisão.
O discurso de Blasio atravessa com facilidade uma cidade mestiça, formada por cerca de 33% de brancos, 25% de negros, 26% de hispânicos e 12% de asiáticos.
Mas há quem diga que sua reação estridente no caso Bolsonaro soa como oportunismo de quem mira um salto mais alto, rumo à disputa presidencial de 2020.
Para trabalhar ao seu lado na prefeitura, Blasio levou pelo menos dois nomes com experiência em eleições para a Casa Branca: Mike Casca, que atuou na campanha do democrata Bernie Sanders em 2016, e Jon Paul Lupo, que contratou uma empresa para fazer levantamento de fundos e atuação em marketing digital.
O objetivo, dizem, era impulsionar o comitê de ação política do prefeito —criado para financiar projetos, viagens e candidatos democratas.
Hoje, é justamente essa a principal fragilidade de Blasio. Enquanto se aproxima de uma decisão sobre entrar ou não na corrida, seus esforços para arrecadar dinheiro de doadores —US$ 600 mil só no ano passado— são questionados e podem pesar sobre suas chances de enfrentar Trump.
Segundo processo conduzido pelo departamento de investigação de Nova York, Blasio pediu contribuições de empresários que tinham negócios com a cidade, uma violação do código de ética municipal.
O assunto foi encaminhado para um conselho que delibera sobre eventuais conflitos de interesses, com quatro dos cinco integrantes indicados pelo próprio Blasio. Um deles, inclusive, foi um dos doadores de sua campanha.
No colegiado, a investigação correu em sigilo e foi encerrada em 2018, sem acusação contra o prefeito, apesar de promotores concluírem que as práticas do político iam “contra o espírito da lei”.
Reeleito em 2016 com 66% dos votos, Blasio se manteve como crítico contumaz de Trump, principalmente em relação à política imigratória.
Reforçou promessas de cortar impostos dos mais ricos e acabar com a política “stop-and-frisk” (pare e reviste), da gestão do ex-prefeito Michael Bloomberg, que autorizava a polícia de Nova York revistar qualquer pessoa, mesmo sem suspeita aparente.
Blasio dizia que essa era uma prática discriminatória para abordar negros e latinos. Apesar disso, manteve por dois anos William Bratton no cargo de chefe da polícia nova-iorquina.
Ele também esteve no posto na década de 90, quando o então prefeito Rudolph Giuliani ficou famoso por implementar a política de “tolerância zero” contra criminosos.
Blasio acabou chamado de populista por seus opositores, que dizem que ele pouco fez para ajudar os imigrantes.
Outra memória que transborda entre seus críticos é sua ligação com a FSLN (Frente Sandinista de Libertação Nacional), da Nicarágua, que em 1979 derrubou a ditadura de Anastasio Somoza.
Quando tinha 26 anos, o prefeito viajou para o país da América Central e atuou na distribuição de alimentos e medicamentos em meio à guerra entre a FSLN e os “Contras”, financiados pelo governo dos EUA.
Apesar do ímpeto fervoroso, sua potencial candidatura à Casa Branca não tem causado entusiasmo nem mesmo entre os nova-iorquinos.
Pesquisa divulgada pela Universidade Quinnipiac mostrou que 76% dos eleitores da cidade acreditam que o prefeito não deve concorrer à Presidência.
Blasio diz que ainda vai consultar sua família e que nada está descartado quando o assunto é a disputa presidencial.
Em um ambiente conflagrado e com tantos pré-candidatos no seu próprio partido, o prefeito terá de mostrar certo ineditismo e capacidade de se reinventar diante de uma crise ética.
Com seu nome, pelo menos, já fez isso uma vez. Bill de Blasio nasceu Warren Wilhelm. Mudou após a morte do pai, adotando o apelido “Bill” e o sobrenome da mãe.