Presidentes se encontraram nos EUA | Após Bolsonaro fazer concessões, Trump apoia Brasil entrar na OCDE
O presidente Jair Bolsonaro encerrou seu encontro com o líder americano Donald Trump nesta terça-feira (19) em Washington com um trunfo: o apoio dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o clube dos países ricos.
Na primeira visita bilateral de Bolsonaro ao país como presidente, o sinal verde dos EUA era o principal objetivo do governo brasileiro, que vê a entrada na organização como um selo de qualidade de políticas macroeconômicas.
O apoio à entrada na OCDE, no entanto, não saiu de graça. Em troca, o Brasil abrirá mão de seu “tratamento especial e diferenciado” na Organização Mundial de Comércio (OMC), que dá ao país maiores prazos em acordos comerciais e outras flexibilidades.
A missão aos EUA também coroou o alinhamento ideológico e a afinidade entre os dois presidentes.
Durante a entrevista coletiva no jardim da Casa Branca, os presidentes trocaram elogios e piadas, demonstrando a química entre os dois líderes populistas de direita.
“Sempre fui grande admirador dos EUA, e a minha admiração aumentou com sua chegada à Presidência”, disse Bolsonaro a Trump. “O Brasil e os EUA estão irmanados na garantia da liberdade, temor a Deus, contra ideologia de gênero, politicamente correto e as fake news.”
Trump tampouco economizou nos afagos. “Você fez um trabalho incrível para unir o país”, disse a Bolsonaro. “E estou muito orgulhoso de ouvir o presidente usar o termo fake news.”
Os EUA estão em guerra para realizar uma reforma na OMC. Um dos principais objetivos é acabar com a possibilidade de países se autodefinirem como “em desenvolvimento”, classificação que garante tratamento especial. Washington afirma que China e Índia se beneficiam indevidamente desse mecanismo.
“Seguindo seu status de líder global, o presidente Bolsonaro concordou em abrir mão do tratamento especial e diferenciado na OMC, em linha com a proposta dos EUA”, disse o comunicado conjunto dos países.
Ao aceitar isso, o Brasil perde a possibilidade de fazer acordos de preferências comerciais semelhantes aos fechados com a Índia e o México. Esses acordos, que reduzem tarifas de apenas parte dos produtos dos países, só são possíveis devido ao tratamento especial e diferenciado para países em desenvolvimento, que os desobriga de eliminar barreiras de mais de 85% de todos os produtos para poder firmar um tratado.
No proposta dos EUA, países que são membros ou estão em processo de acesso à OCDE, além de membros do G20, não podem se autodesignar em desenvolvimento. Turquia e Coreia do Sul, que já são membros da OCDE, mantêm seu tratamento diferenciado na OMC.
Além disso, o apoio americano não significa que o Brasil esteja automaticamente admitido na organização. Significa apenas que Washington deixou de vetar a pretensão brasileira.
Para entrar oficialmente na OCDE, o país ainda tem que cumprir uma série de requisitos da organização —a maior parte deles já foi atendida.
Precisa também da aprovação dos europeus, que pressionam para que o próximo pais admitido seja do continente, já que o último a entrar foi um latino-americano, a Colômbia.
O presidente argentino Mauricio Macri, por exemplo, arrancou em abril de 2017 uma declaração de Trump apoiando a entrada do país na OCDE, mas quase dois anos depois a Argentina segue fora do clube.
O Brasil também ganhou status de aliado prioritário extra-Otan, como havia antecipado a Folha.
“Eu pretendo designar o Brasil como aliado prioritário extra-Otan, e quem sabe, até membro da Otan, vou falar com o pessoal”, disse Trump na entrevista coletiva.
A designação cabe a países que não são membros da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, a aliança militar liderada pelos EUA), mas que são considerados aliados estratégicos militares dos EUA.
Com a designação, o Brasil passa a ter acesso a diferentes tipos de cooperação militar e a transferências de tecnologia. Países como Afeganistão, Argentina, Austrália, Bahrein, Egito, Israel, Japão, Jordânia, Kuwait, Marrocos, Tunísia, Nova Zelândia, Paquistão, Filipinas, Coreia do Sul, Taiwan e Tailândia detêm essa designação.
O apoio na OCDE e a designação de aliado extra-OTAN são duas formas de o governo Trump recompensar Bolsonaro por seu alinhamento ideológico e pela aproximação com os EUA.
Nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff não houve gestos semelhante, devido à menor afinidade entre os líderes —ainda que George W Bush e Lula tivessem boa química, ideologicamente estavam em lados opostos— e porque os governos do PT optaram por maior integração com países em desenvolvimento, e não com os EUA.
O resultado mais concreto da visita de Bolsonaro foi a assinatura do acordo de salvaguardas tecnológicas que permitirá o aluguel da base de Alcântara, no Maranhão, para o lançamento de satélites. Negociado há mais de 20 anos, ele pode gerar até US$ 10 bilhões (cerca de R$ 37 bilhões) por ano ao Brasil.
No entanto, após assinado, o acordo agora precisa ser aprovado pelo Congresso brasileiro.
Da última vez em que um texto de salvaguardas tecnológicas foi acordado com os EUA, em 2000, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, foi barrado pelo Legislativo brasileiro, inclusive pelo então deputado Jair Bolsonaro, que votou contra.
Não houve avanços em demandas comerciais do Brasil, como a reabertura do mercado americano para carne bovina in natura e redução da tarifa sobre açúcar. Tampouco o Brasil concordou em cortar a sobretaxa sobre o etanol americano ou passar a comprar carne suína dos EUA.
Já o Brasil concordou em implementar uma cota anual de importação de 750 toneladas de trigo a tarifa zero, um compromisso assumido pelo país na OMC, além de ser uma demanda dos EUA.
Segundo negociadores, não houve mais acordos porque foi escasso o tempo de preparação da visita. Mas os gestos do governo americano foram uma demonstração de apoio ao governo brasileiro.
A situação na Venezuela também foi tema de conversa entre os dois presidentes no Salão Oval.
Indagado por jornalistas se o Brasil apoiaria uma intervenção militar na Venezuela, Bolsonaro não descartou a possibilidade. Disse apenas que “tem certas questões que se você divulgar deixam de ser estratégicas, então não posso falar sobre essas questões”.
Mas, segundo fontes do governo, a possibilidade de algum envolvimento militar do Brasil na crise do país vizinho continua fora de cogitação. Ao não descartar a questão, Bolsonaro fez um esforço de não desagradar o presidente Trump, que estava ao seu lado.
Durante a viagem, foi relançado o fórum de CEOS Brasil EUA, paralisado desde o governo Dilma Rousseff, além de foros de segurança e energia.
Bolsonaro anunciou ainda a isenção de vistos para os americanos que querem viajar para o Brasil. A concessão, que inclui cidadãos de outros três países —Japão, Canadá e Austrália—, foi unilateral, sem reciprocidade, com o objetivo de aumentar a receita com turismo.
Não avançaram as discussões para que o Brasil entre na lista de países cujos cidadãos estão dispensados de visto nos EUA. No ano passado, 12,7% dos vistos pedidos por brasileiros foram negados.
Indagado por jornalistas se o Brasil não teria feito muitas concessões em troca de poucos avanços, Bolsonaro afirmou: “Alguém tem que ceder o braço, ou melhor, a mão. Primeiro fomos nós”.
Na entrevista coletiva, Bolsonaro chegou a mencionar o ex-presidente americano Ronald Reagan (1981-1989), um ídolo entre os republicanos, ao citar uma frase dele: “O povo deve dizer o que o governo deve fazer, e não o contrário”.
O brasileiro foi indagado sobre como ficaria a relação entre Brasil e EUA se um candidato progressista, que se identifique como socialista, vencesse as eleições americanas
“Esse é um assunto interno e respeitaremos o resultado das urnas, mas acredito piamente na reeleição de Trump.” Ao que Trump respondeu: “Obrigada, eu concordo”.
Os democratas conquistaram o controle da Câmara em 2018 e vêm criticando o alinhamento dos EUA com o governo Bolsonaro. A próxima eleição presidencial americana acontecerá em novembro de 2020, quando Trump buscará a reeleição.