Prisões, desaparecimentos e humilhações são normal na China anticorrupção

Este foi mais um mês agitado para as autoridades chinesas que combatem a corrupção.

Houve o diretor da Interpol, detido sem nenhuma cerimônia durante viagem que fez a Pequim. Houve o executivo de um banco estatal que foi flagrado com literalmente toneladas de dinheiro obtido de maneira ilícita empilhadas em seu porão mofado.

Houve o general que caiu em desgraça e foi expurgado pelo Partido Comunista como punição, apesar de ele já ter se enforcado.

Detenções, desaparecimentos, investigações, humilhações póstumas: o fluxo de manchetes chocantes que saiu de Pequim em outubro mostra que a campanha de combate à corrupção muito alardeada pelo líder chinês, Xi Jinping, está dando poucos sinais de estar arrefecendo, mesmo agora, em seu sexto ano.

A perseguição a falsários suspeitos, traficantes de influência e outros continua a ser bem recebida pelo público. Mas a campanha de Xi também revela outro tipo de tumulto presente nos altos escalões da liderança, do empresariado e do aparato de segurança da China.

Os líderes enfrentam reviravoltas internas em um momento em que Pequim se esforça para lidar com desafios crescentes, desde atritos comerciais com Washington até problemas econômicos em casa.

Apesar de várias rodadas de expurgos promovidas nos últimos anos, “um problema sério que Xi Jinping enfrenta é que o governo ainda é mal administrado”, disse Willy Lam, que estuda política chinesa na Universidade de Hong Kong. 

“Pequim já deveria estar com a casa em ordem, mas não está. Isso pode afetar sua capacidade de implementar suas políticas ou de travar a guerra comercial com os Estados Unidos.”

As cifras são espantosas. Desde que Xi lançou a campanha anticorrupção, em 2012, as autoridades já investigaram mais de 2,7 milhões de funcionários e puniram mais de 1,5 milhão de pessoas. 

Esses números incluem sete líderes de nível nacional e duas dúzias de generais de alta patente. Cerca de 58 mil funcionários do Estado já foram levados a julgamento, e dois foram sentenciados à morte.

Entre os funcionários mais recentes a ser processado está Lai Xiaomin, ex-diretor do banco estatal Huarong Asset Management e ex-diretor do banco central.

Lai foi expulso do partido na semana passada depois de ser julgado como tendo cometido violações graves das leis e regras do partido. 

Segundo o site de notícias financeiras Caixin, Lai recebeu propinas, desrespeitou a política financeira definida pelo governo e escondeu em sua casa três toneladas de dinheiro vivo de origem escusa, no valor de quase US$ 40 milhões (R$ 147 milhões).

Ex-regulador encarregado de ajudar grandes empresas chinesas a saldar suas dívidas, Lai, em vez disso, teria presidido o banco Huaron “de maneira cega e desordeira”, segundo as autoridades chinesas.

Observadores dizem que desde 2015, quando um crash devastador das bolsas de valores provocou indignação entre a classe média, os líderes do Partido Comunista passaram a encarar os mercados financeiros como um calcanhar de Aquiles de seu controle do poder.

A queda de Lai Xiaomin representa mais do que simplesmente mais um julgamento por corrupção.

Para Wu Qiang, analista político independente em Pequim, ela aponta para o fato de os líderes chineses estarem cada vez mais fazendo uso do aparato disciplinar do partido para implementar as políticas governamentais.

É uma evolução em relação a cinco anos atrás, disse Wu, quando Xi estava expurgando facções rivais no Politburo e em instituições estratégicas como as Forças Armadas.

“No momento, o alvo principal das atenções da campanha anticorrupção é o setor financeiro”, falou Wu. “Isso se alinha com outras medidas da política econômica do governo, como a estabilização do setor financeiro e o esvaziamento de uma possível bolha.”

É verdade que o trabalho de Xi para consolidar seu domínio da polícia e das Forças Armadas, os dois instrumentos do chamado hard power, tampouco parece estar concluído.

Meng Hongwei, um vice-ministro da Segurança Pública e diretor da Interpol, foi detido este mês por autoridades anticorrupção durante uma visita a Pequim. Seu desaparecimento se deu em meio a especulações sobre disputas internas no governo.

E dois altos oficiais do Exército Popular de Libertação, incluindo o ex-chefe do Estado-Maior Conjunto Fang Fenghui, foram expulsos do partido na semana passada.

Fang foi condenado por recebimento de propinas e deslealdade política. O outro general, Zhang Yang, foi destituído de sua patente e expulso do Partido Comunista, segundo um comunicado oficial, que informou também que em novembro passado ele teria tentado “escapar de ser punido, cometendo suicídio”.

Mais de 300 oficiais teriam sido punidos como parte da investigação sobre os dois generais, informou o South China Morning Post, citando fontes próximas às Forças Armadas.

Este ano Xi ampliou o alcance da liderança, formando um Comitê Supervisor Nacional com amplos poderes para investigar não apenas membros do Partido Comunista, mas também empresas estatais, hospitais, escolas e até mesmo times esportivos.

“A partir do momento que se cria e empodera agências para investigar, é inevitável que elas identifiquem mais e mais pessoas a serem presas”, comentou Zhang Ming, professor aposentado de ciência política na Universidade Renmin, em Pequim. “Com o tempo, isso acaba prejudicando o prestígio do partido e a confiança popular nele.”

O Partido Comunista, por sua parte, já assinalou que não vê problema com o fato de um ciclo de investigações e expurgos estar se convertendo na nova realidade normal da governança chinesa.

Desde que a campanha deslanchou, a emissora de televisão estatal lançou um documentário sobre o combate interminável à corrupção, intitulado “Sempre na Estrada”, além de um drama de televisão que teve audiência enorme.

As autoridades governamentais, que normalmente guardam silêncio sobre inúmeros temas, têm se mostrado mais que dispostas a divulgar detalhes sobre cobiça e irresponsabilidade à mídia em pequenas doses de cada vez, mobilizando o público em favor da campanha anticorrupção.

Elas já revelaram o número de máquinas de contar cédulas que foram necessárias para contar a montanha de dinheiro roubado por um funcionário corrupto do setor energético (16 máquinas, quatro das quais acabaram quebrando) e a logística necessária para confiscar todo o ouro, as antiguidades e o dinheiro vivo em mãos de um ex-comandante do Exército corrupto (dez caminhões militares). 

Não é incomum ver notícias na mídia sobre quantas toneladas pesa o tesouro acumulado de algum funcionário público corrupto ou outro.

Jude Blanchette, analista da China junto ao Crumpton Group, disse que a cruzada interminável contra a corrupção é uma distração para Xi, mas também cumpre o objetivo de conservar o Partido Comunista, além de grandes setores da sociedade chinesa, em um estado permanente de tensão e sob o domínio do presidente.

“A campanha vem sendo uma ferramenta altamente eficaz para ajudar Xi a consolidar e exercer seu poder”, disse Blanchette. 

“Ela é flexível o suficiente para que Xi possa, basicamente, perseguir qualquer pessoa; praticamente todos vivem com uma espada de Dâmocles pendurada sobre suas cabeças. Por que ele vai querer abrir mão disso algum dia?”

Source link

« Previous article Conjectura abc causa discussão no reino da matemática
Next article » IoT: Há uma petição que pede leis para aumentar segurança nos smart devices