Procurador não vê evidência de conluio de Donald Trump com Rússia
A investigação conduzida pelo procurador especial Robert Mueller não encontrou evidências de que a campanha de Donald Trump agiu em conluio com a Rússia para interferir nas eleições de 2016 nem que o presidente tenha obstruído a Justiça durante as apurações.
As principais conclusões de Mueller, enviadas ao Congresso americano neste domingo (24) pelo secretário de Justiça, William Barr, trouxeram alívio para a Casa Branca. Aliados de Trump estavam apreensivos quanto ao resultado final das investigações --caso houvesse fato concreto contra o presidente, adversários prometiam investir em um impeachment contra ele.
Apesar de não ter elementos para concluir conspiração com a Rússia ou obstrução de Justiça, nem fazer nenhuma acusação formal em seu relatório, Mueller diz não isentar o presidente.
Mueller entregou nesta sexta-feira (22) seu relatório final sobre a possível interferência da Rússia nas eleições presidenciais dos EUA, elevando ao ápice dos dois últimos anos a pressão política sobre Trump.
As informações que chegaram ao Congresso via carta escrita por Barr neste domingo, porém, frustraram os adversários.
Após revelações do contato entre aliados do presidente americano e a Rússia, a prisão de auxiliares e uma forte campanha de Trump para desacreditar Mueller e as investigações, a entrega do documento abre um novo capítulo do purgatório político na Casa Branca --o que, para adversários mais contundentes, pode levar ao impeachment do presidente.
Nessa expectativa, os últimos dias foram de apreensão em Washington. Políticos e jornalistas perguntavam-se quando o relatório sairia e quais informações poderiam ser depreendidas dele.
O próprio Trump chegou a dizer, nesta semana, que preferia que o texto fosse divulgado --discurso encarado com ceticismo pela maior parte dos analistas americanos.
Desde que Mueller assumiu as apurações do caso, o presidente viu a crise avançar para dentro da Casa Branca, endossada por acusações de seus principais assessores, que decidiram colaborar com as investigações e, assim, instigar seus adversários.
O caldo criado a cada capítulo revelado por Mueller aumentou o desgaste político de Trump, que classifica as apurações como uma "caça às bruxas" e se diz inocente de qualquer irregularidade.
Quem acompanha de perto o trabalho do procurador especial afirma que a chave do relatório está basicamente em responder se o presidente sabia, orientou ou participou diretamente dos seguintes eventos: negociações para a construção de uma Trump Tower em Moscou; acesso e vazamento dos e-mails de Hillary Clinton, candidata democrata que foi sua adversária em 2016; contatos de seu ex-assessor nacional de segurança Michael Flynn com autoridades russas; e, finalmente, a influência da Rússia na eleição presidencial e a suposta obstrução de Justiça de Trump para frear as investigações.
De acordo com regras do Departamento de Justiça dos EUA, Mueller vai apresentar um "relatório confidencial" ao secretário de Justiça, Bill Barr, e é ele quem vai decidir o quanto do texto será compartilhado com o Congresso.
Supondo que uma parte significativa venha a público e contenha fatos novos, além do que já é sabido até agora, a questão será identificar o que de explosivo haverá no documento e como isso poderá implicar no mandato de Trump --e na eleição de 2020.
Nos últimos meses, o presidente americano sofreu reveses conforme a apuração avançava. Em depoimento ao Congresso no fim de fevereiro, por exemplo, seu ex-advogado Michael Cohen o acusou de mentir sobre negócios na Rússia durante as eleições e sobre pagamentos para silenciar mulheres com quem teria tido casos amorosos.
Segundo Cohen, Trump sabia e comandou as negociações para a construção de uma Trump Tower em Moscou em 2016 e os filhos do presidente, disse o ex-advogado, também participaram das tratativas.
Além disso, Cohen afirmou aos parlamentares que Trump sabia que Roger Stone, seu conselheiro político até então, estava conversando com Julian Assange, do WikiLeaks, sobre a divulgação de e-mails do Comitê Nacional Democrata, que prejudicou Hillary na disputa de dois anos atrás. O advogado de Assange, por sua vez, nega que a ligação tenha ocorrido.
De acordo com as investigações de Muller, um professor ligado ao governo russo disse ao assessor de política externa da campanha de Trump, George Papadopoulos, que a Rússia tinha "sujeira" contra Hillary na forma de "milhares de e-mails". O governo russo havia invadido redes e contas pertencentes ao Partido Democrata e à campanha de Hillary e coordenaria com o WikiLeaks a divulgação das informações.
Em junho de 2016, o filho de Trump, Donald Trump Jr., encontrou na Trump Tower de Nova York um advogado ligado ao Kremlin, no que parece ter sido um esforço fracassado de conseguir os e-mails.
Muller acusa Stone de ter trabalhado para entrar em contato com o WikeLeaks na tentativa de entender como seria a divulgação dos e-mails hackeados. Michael Cohen, por sua vez, disse em seu depoimento ao Congresso que estava na sala quando Stone informou a Trump que o WikiLeaks planejava uma "massiva divulgação de e-mails que poderiam prejudicar a campanha de Hillary Clinton".
Ainda segundo o procurador especial, em novembro de 2015 Cohen foi colocado em contato com um homem russo que prometeu "sinergia política" e uma reunião entre Trump e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, para ajudar nos esforços de construir uma Trump Tower em Moscou.
Já no início de 2016, o escritório de um "alto funcionário russo" --provavelmente, segundo relatos, o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov-- contatou Cohen sobre o projeto e os esforços continuaram até o meio de 2016. Inicialmente, Cohen havia dito que as conversas sobre o tema pararam em janeiro de 2016, bem no início do ano eleitoral.
Na primeira semana de março, um novo golpe para Trump: seu ex-chefe de campanha, Paul Manafort, foi sentenciado a quase 4 anos de prisão pelos crimes de fraude fiscal e bancária. Os delitos foram descobertos durante as investigações de Muller, que teve a atenção despertada pelo fato de que Manafort enriqueceu trabalhando para políticos ucranianos pró-Rússia.
Uma semana depois, Manafort recebeu nova sentença em um tribunal de Washington e totalizou pena de 7 anos e meio de prisão.
Já o ex-assessor nacional de segurança Michael Flynn, que renunciou ao cargo 24 dias após tomar posse, viu serem descobertos seus contatos com o embaixador russo Sergey Kislyak. Flynn se declarou culpado por mentir ao FBI sobre sua ligação com autoridades russas e começou a colaborar com a investigação de Muller.
O ex-auxiliar da Casa Branca havia prometido que livraria a Rússia de sanções impostas pelo governo Barack Obama e a dúvida até aqui era se ele agiu sozinho ou fora orientado pelo Trump.
Por fim, a obstrução de Justiça por parte do presidente americano: Muller conduziu investigação sobre uma possível interferência de Trump nos trabalhos da procuradoria especial e do FBI.
O presidente demitiu James Comey, então diretor do FBI, em maio de 2017, e admitiu que fora pelo inquérito sobre a Rússia. Comey afirmou mais tarde que o presidente havia pedido que ele deixasse Michael Flyyn em paz.
Como o secretário de Justiça dos EUA havia argumentado que a demissão de um diretor do FBI, ação autorizada pela Constituição, não poderia ser considerada obstrução de Justiça, a dúvida de pessoas que acompanham o processo era como o relatório de Mueller iria abordar essa questão e se o tema se sobreporia ou não ao conluio com a Rússia.