Proposta para novo Mundial de Clubes gera embate entre Fifa e Uefa
Gianni Infantino, o presidente da Fifa, está levando adiante seus planos para dois novos torneios mundiais que poderiam mudar o calendário internacional do futebol, colocando-os na agenda da reunião do Conselho da Fifa que será realizado nesta sexta (26), em Kigali, Ruanda. No entanto, um dos grupos de interesses mais poderosos da organização não esta satisfeito com isso e ameaça abandonar a reunião em protesto.
A proposta, um plano de US$ 25 bilhões (R$ 92,5 bilhões) para reformular o Mundial de Clubes e para uma nova competição entre seleções nacionais, enfrenta oposição feroz da Uefa, a organização que controla o futebol europeu.
O plano, de um grupo de investidores liderado pelo conglomerado japonês SoftBank, foi apresentado alguns meses atrás pela Fifa. O novo Mundial de Clubes seria um torneio para 24 equipes, metade dos quais da Europa. O segundo torneio seria uma liga mundial de seleções, suplantando a Liga das Nações criada pela Uefa, que começou a ser disputada neste ano. O torneio teria formato diferente do adotado para a Copa do Mundo, disputada a cada quatro anos.
Os novos Mundial de Clubes e liga de seleções nacionais ganhariam importância ante os demais torneios da Fifa, excetuada a Copa do Mundo. Pela proposta, a Copa das Confederações, que serve de preparativo para a Copa do Mundo, seria abandonada, da mesma forma que o atual Mundial de Clubes.
Na reunião da Fifa, os membros do conselho serão convidados a escolher entre duas opções para o novo Mundial de Clubes. Um plano envolveria um evento quadrienal expandido, e o outro envolveria um torneio anual jogado depois do final da temporada europeia, na metade do ano.
Os membros do conselho –principal órgão diretivo da Fifa– devem discutir problemas de governança em diversas federações nacionais e ouvirão relatórios apresentados pelos diversos presidentes de comitês. Em seguida, a conversação vai girar em torno do projeto de estimação de Infantino.
Se ele tentar forçar um acordo na reunião, a resistência dos líderes europeus provavelmente será ainda mais intensa que as cenas raivosas que surgiram quando ele tentou forçar a aprovação do projeto alguns meses atrás. Os membros europeus do conselho estão prontos para abandonar as discussões, disseram pessoas informadas sobre a situação que pediram que seus nomes não fossem mencionados porque não estão autorizadas a falar publicamente sobre o assunto.
Os membros da Uefa se opõem aos efeitos que os novos torneios teriam sobre o calendário do futebol mundial e consideram que eles desvalorizariam a Champions League, o torneio mais valioso do planeta, organizado por ela.
Os novos Mundial de Clubes e liga mundial de seleções também atrairiam grande número de torcedores, organizações de mídia e patrocinadores, ao substituir o atual torneio Mundial de Clubes, que não atrai grande interesse na Europa, e a Liga das Nações.
A proposta de US$ 25 bilhões conta com apoio de investidores asiáticos, dos Estados Unidos e do Golfo Pérsico, entre os quais dos Emirados Árabes Unidos (EAU) e da Arábia Saudita, que estão correndo para o esporte como parte dos ambiciosos planos do príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman para ampliar o alcance da economia do país.
"A reunião ainda não ocorreu e muitos tópicos estão na agenda para discussão e debate, como sempre", disse um porta-voz da Fifa. "É estranho que algumas pessoas tenham chegado a conclusões diretamente".
Em documento enviado aos membros do conselho, a Fifa negou que o investimento incluiria dinheiro de fundos estatais da Arábia Saudita. As autoridades esportivas sauditas se recusaram a informar se faziam parte da oferta à Fifa, e o SoftBank não comentou.
Infantino vem dedicando atenção especial à Arábia Saudita, nos últimos 12 meses, visitando o país três vezes. Ele se reuniu com o governante efetivo do país, o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman.
"A Fifa não entraria em uma joint venture com fundos nacionais de investimento de países individuais, para esse propósito, quer direta, quer indiretamente", afirmou a organização.
Nas últimas semanas, a Fifa também vem declarando, em foro privado, que os elos entre o fundo do SoftBank e a Arábia Saudita não são tão fortes quando a mídia reporta. Esse esforço cresceu desde que emergiram detalhes sangrentos sobre a morte do jornalista dissidente Jamal Khashoggi, assassinado no consulado saudita em Istambul este mês.
Na primeira vez que Infantino tentou forçar a aprovação da proposta, em março na Colômbia, as autoridades do futebol europeu chegaram preparadas à reunião. Aleksander Ceferin, presidente da Uefa, distribuiu cartas assinadas por representantes de organizações formadas pelas principais ligas e clubes da Europa, criticando a liderança da Fifa por não tê-las consultado sobre grandes mudanças que as afetariam diretamente.
Diversas rodadas de conversações aconteceram desde então, mas a Associação de Clubes Europeus, que representa cerca de 270 clubes, continua a se opor ao plano. O mesmo vale para o Fórum das Ligas Mundiais.
"Enquanto eu for presidente da Uefa, não haverá espaço para a promoção de empreitadas egoístas ou ocultas por trás de falsos pretextos", disse Ceferin, a um ministro da União Europeia em maio. "Não posso aceitar que algumas pessoas, cegadas pela busca de lucro, estejam considerando vender a alma de torneios de futebol a nebulosos fundos privados".
"O dinheiro não governa e o modelo esportivo da Europa precisa ser respeitado. O futebol não está à venda. Não permitirei que suas estruturas sejam sacrificadas no altar de um mercantilismo altamente cínico e impiedoso", completou.
Mas, para a Infantino, obter a aprovação da proposta representaria um empuxo em momento oportuno. Ele busca a reeleição em 2019 e prometeu elevar o financiamento a projetos de desenvolvimento em cada um dos 211 países membros da Fifa.
O debate sobre o plano foi deixado de lado durante a Copa do Mundo deste ano, para que ela transcorresse de maneira cordial. A oferta do fundo e a criação dos novos torneios ficaram de fora da agenda durante a última reunião do conselho, à véspera da Copa do Mundo da Rússia, em junho.
Infantino e Ceferin mal se falam desde a contenciosa reunião de março, que membros veteranos do conselho descreveram como o evento mais acrimonioso a que já compareceram. Infantino vem usando contatos que cultivou em seus anos como executivo da Uefa para persuadir os maiores clubes a apoiar seu plano.
O SoftBank vem mantendo a discrição, desde que surgiu a notícia sobre seus planos, seis meses atrás. A empresa contratou a consultoria de gestão McKinsey para avaliar sua oferta.
De acordo com pessoas informadas sobre a situação, o SoftBank recuou quanto ao prazo limite inicial de 60 dias que tinha imposto à Fifa para concluir as negociações sobre o plano. A proposta envolve US$ 2 bilhões (R$ 7,5 bilhões) garantidos para cada edição da liga de seleções e US$ 3 bilhões (R$ 11 bilhões) para cada Mundial de Clubes.
Ao organizarem a oposição aos planos de Infantino, os clubes europeus também vêm sendo cortejados por outros interessados em criar um novo e prestigioso torneio. Entre eles está a Relevant Sports, uma empresa ligada a Stephen Ross, o dono do Miami Dolphins da NFL, que já organiza a Copa Internacional dos Campeões, uma série anual de amistosos disputados ao redor do mundo, e que inclui partidas na América do Norte. A Relevant quer um formato mais competitivo e conversou com a Uefa sobre seus planos, de acordo com pessoas informadas sobre as discussões.