Prova de estupidez
Há dias, o historiador Nireu Cavalcanti denunciou as consequências de uma insensatez cometida em 2013 contra a memória e a história do Brasil: a inexplicável remoção do Museu do Primeiro Reinado e a transferência de seu acervo para o Museu Nacional, ambos no bairro imperial de São Cristóvão. Tudo isto porque a casa em que funcionava o Primeiro Reinado —a Casa da Marquesa de Santos— passaria a abrigar um Museu da Moda, certamente mais importante para os então luminares da cultura federal.
O que este Museu da Moda tinha a ver com a marquesa ou com São Cristóvão nunca ficou claro —poderia muito bem ter sido instalado em Ipanema, onde grande parte da moda brasileira foi criada nos últimos 50 anos, ou na Barra, onde, hoje, ela deve ser mais consumida. Pois, desafiando todas as vozes em contrário, o Primeiro Reinado foi levado para o Museu Nacional. E, com o incêndio deste, no dia 2 de setembro último, perdemos os dois museus ao mesmo tempo. O da Moda, longe das chamas, deve estar firme.
Pelas dimensões do fogo que devorou o Museu Nacional, parecia impossível ter sobrado alguma coisa. Mas milagres acontecem e, há dias, com a possibilidade de, finalmente, penetrar em áreas limitadas e já a salvo de risco, seus funcionários começaram a encontrar peças, ou o que sobrou delas, sob o entulho. O primeiro achado é altamente simbólico: fragmentos do crânio de Luzia, o mais antigo fóssil das Américas, com mais de 11 mil anos de idade, e cuja descoberta em 1974, em Minas Gerais, corrigiu teses seculares sobre o povoamento do continente.
Luzia estava guardada numa caixa de ferro que, por sua vez, ficava dentro de um armário numa sala especial. Tudo foi derretido pelo fogo —menos ela. A partir do que se encontrou, será possível reconstituí-la.
Já as preciosidades do Primeiro Reinado não terão essa sorte. Sua lacuna ficará como uma prova de nossa estupidez.