Qualquer evidência de vida fora da Terra deveria nos aterrorizar
Dos tempos das cavernas até hoje, tecnologias militares acompanham a marcha da evolução de coesão social. Produzir uma lança precisa de um pequeno punhado de gente; produzir uma espada requer os recursos de uma pequena vila; uma espingarda, os de uma pequena cidade, um tanque, os de uma grande cidade ou estado, e uma arma nuclear requer os recursos de um país inteiro.
Hoje, a tecnologia militar continua avançando. Mas Trump, Putin, Bolsonaro, brexit e a revigoração de sentimentos e movimentos nacionalistas ao redor do mundo não aponta para maior coesão internacional. Ao contrário: um governo global parece cada dia mais improvável.
Essa disparidade entre evolução social e tecnológica aumenta a chance de que uma pequena nação (um estado? Uma cidade? Uma célula terrorista?) desenvolva e utilize armas devastadoras —um vírus apocalíptico, por exemplo— impedindo o desenvolvimento da espécie humana como um todo. Neste caso, a humanidade nunca atingiria seu potencial; ficaria presa nas futilidades da adolescência.
Talvez este tipo de instabilidade na evolução de uma civilização tecnológica seja inevitável. Talvez obstáculos como esse surjam tanto na Terra quanto no resto da galáxia, impedindo qualquer civilização —terrestre ou extraterrestre— de se desenvolver e por fim explorar o Universo. Algo assim parece ser bastante provável.
O fato é que na Via Láctea há bilhões de planetas similares e bem mais antigos que o nosso. Se qualquer um desses planetas antigos tivesse desenvolvido tecnologia espacial, já teriam tido tempo de colonizar grande parte da galáxia, deixando sinais visíveis para nós na Terra.
Isso leva a crer que enormes obstáculos como o descrito acima, denominados de Grandes Filtros, existem no caminho entre matéria inanimada e civilizações capazes de colonizar o cosmos. Transições altamente improváveis, mas necessárias para que um planeta como a Terra gere uma civilização capaz de desbravar a galáxia, parecem ser regra, não exceção.
Mas talvez a maior barreira seja anterior à que estamos enfrentando agora na Terra. Por exemplo, talvez fosse enormemente improvável o próprio surgimento da vida. Na verdade, hoje em dia muitos apostam que o maior filtro fica um pouco depois: não na transição entre química e bioquímica, mas entre uma forma de vida e outra.
Os primeiros organismos vivos surgiram na Terra há cerca de 4,1 bilhões de anos atrás, pouco depois do surgimento dos oceanos (4,4 bi) e não tão distantes da própria formação da Terra (4,5 bi). Apesar de povoar o globo rapidamente, esta forma de vida —chamada de procariótica— era morfologicamente simples: organismos unicelulares sem núcleo ou outras estruturas.
Mais de 2 bilhões de anos se passaram desde o primeiro procariota até o surgimento da primeira forma de vida morfologicamente complexa, chamada de eucariota. Todas as plantas, todos os animais, todos os fungos etc. são descendentes do que parece ter sido um único evento em que duas células procarióticas se fundiram para formar um novo organismo.
O primeiro eucariota, provavelmente moribundo e mambembe, conseguiu sobreviver, reproduzir e deu origem a todos nós. Este processo de fusão é tão raro, tantos ciclos celulares precisam ser compatíveis e sincronizados entre dois organismos, que, apesar de a Terra ser até hoje coberta por organismos procariotas —bactérias, por exemplo—, ele só ocorreu com sucesso uma vez! Tem toda a cara de um Grande Filtro.
Se for essa a maior causa da ausência de civilizações extraterrestres —se for aí que todos esses planetas são barrados—, temos bons motivos para otimismo frente ao futuro: por esse obstáculo já passamos! Por enquanto, essa hipótese é coerente com outras observações.
Por exemplo, ainda não temos sinais de vida no nosso planeta vizinho, Marte. Mas sabemos que lá um dia já houve água em forma líquida em grandes quantidades. A presença de água já eletriza os mais otimistas: imaginem a celebração nas ruas, as chamadas dos jornais, se encontrássemos vida no planeta vermelho!
A verdade é que qualquer evidência de vida independente da nossa —principalmente vida multicelular!— deveria nos aterrorizar.
Duas fontes de vida complexa no pequenino Sistema Solar seriam evidência de que nossos maiores candidatos a filtros —o surgimento da vida e o surgimento de vida multicelular— são pouco eficientes. Significaria que milhões de planetas ao redor da galáxia provavelmente desenvolveram vida complexa e que outros obstáculos mais adiante teriam impedido essas formas de vida de atingirem a maturidade necessária para colonizar a galáxia.
A chance de que maiores filtros se encontrem à nossa frente, aqui na Terra, aumentaria significativamente. Ficaria mais provável que outro obstáculo, como o descompasso entre tecnologia e coesão social descrito no começo deste texto, sempre impeça o amadurecimento de uma civilização como a nossa.
Por outro lado, se não encontrarmos nenhum sinal de vida em Marte, devemos comemorar! Por incrível que pareça, a esterilidade vizinha seria ótima notícia! Aumentaria a chance de superarmos nossas dores de crescimento e, um dia, explorarmos as infinitas possibilidades de nossa civilização como adultos.