Que Neymar continue driblando todos, menos o fisco
Alvo principal de memes entre brasileiros durante a primeira fase da copa do mundo, o dramatismo de Neymar ao ser atingido por adversários passou a ser objeto de críticas contundentes da imprensa estrangeira nos últimos dias. Ignorando o pisão que o craque levou fora de campo do jogador mexicano, jornais e ex-atletas britânicos precipitaram-se em condenar a teatralidade de Neymar para, no dia seguinte, terem de assistir seu conterrâneo Henderson simular diversas infrações inexistentes no jogo contra a Colômbia.
Se é verdade que o fim das simulações faria bem ao futebol, é no mínimo curioso que a limpeza ética tenha começado justamente com Neymar, quiçá o jogador que mais dribla e mais sofre faltas no futebol mundial. Em 2014, foi tirado da copa por uma entrada criminosa de Zuñiga. Em 2018, chegou recuperando-se de lesão e já sofreu 23 faltas – nove a mais que Cristiano Ronaldo, o segundo da lista.
Nesse contexto, defender Neymar só não é mais fácil porque mesmo sem ter inventado a malandragem, o jogador tampouco se destaca por nadar contra a maré. Fora do campo, responde na justiça espanhola a acusações de ter participado de uma conspiração com o Santos e o Barcelona para ocultar o real valor de sua transferência. No Brasil, foi condenado a pagar R$ 8 milhões pela utilização de empresas em nome de seu pai para receber salários travestidos de direitos de imagem —um ato nada incomum no país desde a isenção de imposto de renda da pessoa física sobre dividendos concedida em 1995, diga-se de passagem.
Para além das nossas jabuticabas, ao tentar aproveitar-se de brechas legais e ilegais para pagar menos impostos, Neymar não destoa de boa parte dos super-ricos no mundo. Ao cruzar os dados do Panama Papers e outros vazamentos de instituições financeiras offshore com dados de anistias fiscais e de distribuição da riqueza, o professor da Universidade de Berkeley Gabriel Zucman e seus co-autores mostraram que a taxa de evasão fiscal chega a ser de 25-30% entre os 0,01% mais ricos, ante cerca de 3% em média nas outras faixas de renda.
Em artigo de opinião publicado no jornal “The New York Times” na última terça-feira (3), Zucman utilizou o exemplo de Cristiano Ronaldo, que no dia do jogo contra a Espanha reconheceu ter evadido 14,7 milhões de euros em impostos entre 2011 e 2014, para chamar a atenção para o problema. Em 2017, Messi já tinha recebido sentença de prisão e pagou multa de 1,6 milhões de euros por evasão fiscal.
Em ambos os casos, os jogadores foram condenados pelas autoridades espanholas por ter utilizado paraísos fiscais para evitar o pagamento de imposto de renda sobre seus direitos de imagem. Como destaca o autor, não o fizeram porque são pessoas ruins ou inconsequentes, e sim porque foram “cortejados por uma indústria global de evasão fiscal”.
Escritórios de advocacia e intermediários financeiros vendem aos super-ricos arranjos supostamente legais para facilitar a evasão fiscal por meio de empresas e contas bancárias offshore. Zucman defende como solução que os governos punam os intermediários financeiros que atuam nesse tipo de transação, de modo a reduzir a oferta desses serviços. Como aponta o autor, reduzir drasticamente a evasão fiscal é condição necessária para se taxar a renda e o patrimônio dos super-ricos, o que beneficiaria a sociedade como um todo.
Enquanto nos concentramos em julgar atos cometidos por indivíduos, o sistema continua facilitando – no futebol, na política e na economia – que tais atos sejam repetidos inúmeras vezes por aqueles que não estão sob os holofotes. Que Neymar continue driblando todos, menos o fisco.