Quer contribuição mais ampla que CPMF | Até dízimo pagará novo tributo sobre transação, diz secretário da Receita

O secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, 74, quer acabar com a contribuição previdenciária que incide sobre a folha de pagamentos e criar a Contribuição Previdenciária (CP), um tributo que vai incidir sobre todas as transações financeiras, bancárias ou não, com alíquota de 0,9% e rateado entre as duas pontas da operação (quem paga e quem recebe).

Segundo o secretário, até fiéis de igrejas deverão pagar o imposto quando contribuírem com o dízimo.

"Isso vai ser polêmico", reconhece. "A base da CP é universal, todo o mundo vai pagar esse imposto, igreja, a economia informal, até o contrabando", afirma.

Na reforma tributária que está elaborando, o novo tributo substituirá a contribuição previdenciária sobre os salários, que drena R$ 350 bilhões por ano de empresas e trabalhadores.

"Vai ser pecado tributar salário no Brasil", disse.

Uma proposta de emenda constitucional que põe fim à atual contribuição extinguirá até imunidades tributárias para instituições religiosas e filantrópicas.

Ainda se estuda se a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) integrará a base de cálculo da CP, algo que elevaria a alíquota do novo imposto para pouco mais de 1%. 

Cintra nega que a contribuição seja uma CPMF disfarçada. "CPMF era sobre débito bancário. Esse é sobre pagamentos. É como se a CP fosse gênero [mais amplo] e a CPMF fosse espécie." Além disso, a CPMF era "transitória", e a CP será permanente.

Com a proposta, o secretário acredita que conseguirá convencer o setor de serviços a aceitar a criação do Imposto Único Federal, que unificará quatro tributos, com alíquota de cerca de 14%: PIS, Cofins, uma parte do IOF e o IPI. 

Cintra afirma ainda que pretende cumprir uma das promessas de campanha, a redução do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica.

Por que o sr. quer criar uma nova CPMF?

Não é uma CPMF, porque o novo imposto será permanente e não incidirá somente sobre operações de débito feitas pelo sistema bancário. Será muito mais amplo. Abarcará qualquer transação envolvendo pagamentos, até escambo. 

Se você vendeu um imóvel e pagou em dinheiro, vai pagar. Na hora em que for transferir [a titularidade], o cartório vai perguntar se você pagou o Darf [guia de recolhimento]. Se não pagou, não transfere. A CP será gênero, a CPMF foi espécie.

Por que esse imposto?

A principal diferença é o conceito social do novo tributo. Enquanto a CPMF foi feita para extrair mais recursos da sociedade, estamos propondo um imposto que não elevará a carga tributária. Ela vai substituir impostos perniciosos, será compatível com o mundo digital e vai pegar todo o mundo.

Não vai contra a reforma da Previdência ao propor eliminar a contribuição previdenciária?

A reforma da Previdência não trata das receitas, não vai a fundo na questão da sustentabilidade da arrecadação [previdenciária]. O financiamento da Previdência tem como base a folha de salários. Isso é um absurdo. 

O Brasil é um dos países que mais tributam salário. O empregado leva para casa metade do que ele custa para a empresa. Isso desestimula a geração de empregos. 

Vamos acabar com a contribuição de 20% das empresas ao INSS e extinguir as alíquotas dos funcionários, que variam de 8% a 11%. Isso não faz mais sentido em um mundo onde as relações de trabalho mudaram, onde você tem o autoemprego, o trabalho de aplicativos como o Uber. Hoje, isso representa pouco do PIB (Produto Interno Bruto), mas cresce de forma assustadora. 

O que se percebe é que a base de incidência da folha de salários está em franca desintegração e não serve para sustentar um programa [Previdência] que tem que garantir a sobrevivência das pessoas por mais de 20 anos.

Não se choca com a capitalização? 

Pretende-se criar [esse regime, previsto no projeto de reforma da Previdência], e acho ótimo. Mas nosso sistema previdenciário é de repartição, não é capitalização [em que a aposentadoria é resultado da poupança do indivíduo].

Na repartição, a sociedade garante a aposentadoria de todos, e o Estado é o avalista. Sendo assim, qual o imposto mais universal que existe? O que pega todos os pagamentos. Ou seja, a Contribuição Previdenciária cumprirá adequadamente o comando constitucional de que a Seguridade deve ser financiada pela sociedade.

E qual será a alíquota?

Vamos deixar de tirar dos salários R$ 350 bilhões por ano. Vai ser pecado tributar salário no Brasil. 

A alíquota necessária para gerar essa mesma arrecadação será de 0,9%. Como qualquer pagamento tem um pagador e um recebedor, vamos dividir em dois. Será 0,45% para o débito [pagador] e 0,45% para o crédito [recebedor]. 

Essa alíquota pode chegar a 1% porque estamos estudando incluir a CSLL [Contribuição Social Sobre Lucro Líquido] na CP. Nesse caso, dividindo por dois, daria 0,50% para cada um.

Nem dízimo de igreja vai escapar?

Essa é uma questão polêmica. Vou propor que esteja aqui [na CP], ainda vamos discutir posteriormente.

Toda a transação submetida a essa tributação, inclusive as imunidades constitucionais, deveriam ser eliminadas.

A CP vai tributar todas as transações, a base será universal, pega até a economia informal e as ações criminosas de contrabando. Todo o mundo vai pagar esse imposto.
 

Os parlamentares ligados a igrejas vão reclamar.

De novo. Vou propor o fim de toda e qualquer imunidade ou isenção. Se ela for concedida, que seja uma escolha objetiva e paga pelo Orçamento [do governo federal].

Não vou falar: "Vão comprar sem imposto". Isso gera distorção. Precisamos acabar com os gastos tributários, que já bateram em R$ 400 bilhões por ano. Oferecemos um terço de nossa arrecadação. É muito ineficiente.

E se uma pessoa transferir para sua conta em outro banco?

Não paga porque é mesma titularidade.

Não há risco de uma mesma transação ser taxada duas vezes?

Não. O IPTU, por exemplo, é cobrado sobre o imóvel. Mas, se você vende esse imóvel e há ganho de capital, paga Imposto de Renda. O fato gerador do imposto é outro. O que existe nesse imposto [na CP] é a cumulatividade. Isso não há como negar. Incide várias vezes, é em cascata.

Um projeto que tramita no Congresso Nacional [apresentado pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP)] prevê a criação de um imposto nacional, reunindo os federais e também o ICMS e o ISS. Concorre com a sua proposta de imposto único?

Faremos uma reforma tributária que crie o IVA nacional, com alíquota de cerca de 14%, mas vamos caminhar em canais paralelos. 

Primeiro, porque a reforma tributária ampla envolve a discussão do pacto federativo, um caminho mais complexo, que vai demorar mais. Há 30 anos participo de debates sobre a reforma tributária. Nenhuma proposta ampla partiu do Executivo. 

A Câmara sempre teve um protagonismo forte. Isso porque envolve estados e municípios. Então, estaremos trabalhando a quatro mãos com o Congresso. 

Em paralelo, em um segundo canal, faremos uma faxina nos tributos federais. Juntaremos no Imposto Único Federal PIS, Cofins, IPI e a parte não regulatória do IOF, que dá mais ou menos R$ 30 bilhões por ano e é aquela contribuição que criaram sobre operações de crédito quando acabaram com a CPMF, um absurdo.

Também acaba o IOF sobre compras no exterior?

Esse é regulatória. Vai continuar porque foi criada para desestimular compras em dólar. Tem justificativa de política cambial. O Imposto sobre Importação e a Cide também continuarão.

O Imposto Único Federal será acoplado ao IVA do Congresso?

Ele será um espelho do que será discutido na Câmara. O IVA que está sendo apresentado é de livro-texto, muito bem trabalhado. Pegará todo e qualquer produto, bens e serviços, com regras muito claras de devolução de crédito tributário.

O projeto da Câmara unifica ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI. Só que PIS, Cofins e IPI nós já vamos unificar. Os outros dois, se aprovados [pelo Congresso], se unificam no nosso. Ou o Imposto Único Federal se une ao deles.

Como faremos um imposto idêntico, o Imposto Único Federal sairá antes e terá um efeito demonstração fantástico. Vamos abrir a picada para o IVA nacional.

Com isso, vamos simplificar o manicômio tributário que é o PIS e o Cofins. É uma bagunça tão grande que não há um especialista, nem um regulamento desses tributos na Receita.

Não há regulamento do PIS/Cofins?

Temos regras especificas. Uma para o PIS/Cofins que incide sobre o tecido, outra para o que incide sobre a soja. Por isso, quero começar já. 

A única exceção serão os quatro regimes especiais para a Zona Franca de Manaus, o setor financeiro, a construção civil e o Simples nacional.

Na campanha, Jair Bolsonaro disse que reduziria o Imposto de Renda tanto para empresas quanto para pessoas físicas. A promessa será cumprida?

Se acabarmos com a CSLL e incluirmos a contribuição na base do novo imposto sobre pagamentos [a CP], já será possível reduzir a alíquota do Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas de 34% para 25%. 

Estamos avaliando outras medidas para a geração de receita que nos permitiriam reduzir para 20%, como prometemos na campanha. Para a pessoa física, ainda estamos avaliando as vantagens e as desvantagens.

Marcos Cintra, 74, é secretário especial da Receita Federal, é economista com doutorado na Universidade Harvard (EUA); foi professor titular da Escola de Administração de Empresas (EAESP) da FGV-SP desde 1969; diretor da EAESP de (1987-1991); vereador de SP (1993-1997 e 2008); secretário do Planejamento do município de SP (1993-1997); vice-presidente da FGV (desde 1997); deputado federal (1999-2003); secretário de Finanças de São Bernardo do Campo (2003-2006) e secretário de desenvolvimento econômico do município de SP (2009-2012), entre outros cargos

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