Rede de influência de Kavanaugh blinda sua ascensão à Suprema Corte dos EUA
Em uma idade em que a maioria reluta para descobrir seu caminho, Brett Kavanaugh sabia que dedicaria sua vida ao serviço público.
Quem o cercava sabia disso. Ao longo do tempo, Kavanaugh, hoje com 53 anos e desde 2006 um juiz federal de apelações, teve muitos amigos leais. Professores, pais, colegas de escola e trabalho assumiram sua defesa. Eles o aplaudiram ao ascender e o protegeram quando tropeçava.
A história do escolhido pelo presidente Donald Trump para a Suprema Corte dos EUA é a clássica narrativa de um jovem sempre cercado de gente em cargos importantes, preocupado em proteger a imagem. A uma amiga na faculdade, disse que nunca compraria ações pois precisava evitar conflito de interesse se quisesse seguir a mãe, juíza.
Kavanaugh cresceu entre clubes de campo e balneários, escolas particulares e proeminência pública. Alguns colegas o chamavam de gênio. Gostavam dele porque era inteligente e divertido. Mas com frequência ele deu aos que deviam examinar sua vida e carreira motivos para refletir.
Quando a Ordem dos Advogados dos EUA considerou sua nomeação para um juizado, a comissão que o examinou falou com duas vezes mais advogados e juízes do que a praxe.
Alguns levantaram preocupações sobre sua inexperiência, outros advertiram sobre seu temperamento. Ele era “dissimulado”, segundo um advogado. Foi descrito como “isolado”, “teimoso” e “frustrante no tratamento”.
Quando chegou a hora de se casar, foi o presidente dos EUA quem o incentivou. Kavanaugh, assim como outro ex-aluno da Universidade Yale, George W. Bush, escolheu uma mulher forte de uma família modesta do Texas. Bush, que ofereceu um jantar para o casal na Casa Branca, 14 anos depois pegaria o telefone e convocaria senadores para salvar a nomeação para o Supremo.
Mas, ao enfrentar a votação no Senado que determinaria o resto de sua vida ativa, Kavanaugh se deparou com denúncias de que foi um beberrão briguento e, segundo sua principal acusadora, Christine Blasey Ford, a jogou numa cama e a agrediu sexualmente quando adolescentes.
O teste mais duro em sua vida dividiu seu entorno. Ninguém que saía com Kavanaugh no litoral de Delaware ou nos bares de Connecticut, afinal, sabia que suas festas seriam tema de debates no Congresso e pesquisas nacionais, ou que o presidente concluiria que ele “teve dificuldades com bebida quando jovem”.
Muitas vantagens vêm de frequentar a Escola Preparatória Georgetown, instituição de 229 anos em North Bethesda, Maryland, num campus verde e maior que o da maioria das universidades. Muitos ali vêm de famílias influentes.
O pai de Kavanaugh, Edward, foi presidente da Associação de Cosmética e Perfumaria, o tipo de emprego em que formar conexões com pessoas poderosas justificava os US$ 4,57 milhões em honorários que ele recebeu em 2005, segundo o imposto de renda. Sua mãe, Martha, era uma promotora e depois juíza em Montgomery, Maryland.
Na “Prep”, porém, muitos se sentiam obrigados a provar algo. “Éramos supostamente os mais burros, os festeiros”, disse um colega de Kavanaugh.
O juiz é descrito por alguns como popular e divertido, e por outros como “esnobe”. Na Escola de Direito Yale, os colegas também se dividem: uns dizem que Kavanaugh bebia muito e ficava desagradável e briguento; outros, que ele bebia e nunca perdia o controle.
“Era um beberrão, e sei disso porque eu bebia com ele”, disse Elizabeth Swisher, hoje professora de oncologia na Universidade de Washington.
Algumas mulheres dizem que Kavanaugh era desajeitado ou rude quando bêbado, outras afirmam que era encantador nesses momentos.
Mas todos os colegas concordam que era um conservador em um campus liberal.
No primeiro ano de direito em 1987, alinhou-se ao juiz William Renquist, que, como presidente da Suprema Corte, a conduziu à direita.
Logo ele aderiu à Sociedade Federalista, grupo sediado em Washington com papel chave no recrutamento e apoio a juízes conservadores.
Depois da faculdade, foi assistente de dois juízes federais, situando-se para um cobiçado cargo na Suprema Corte.
Mas antes que o juiz Anthony Kennedy o contratasse, ele chamou a atenção de Ken Starr, procurador independente que investigaria as denúncias contra o presidente Bill Clinton em 1994.
Starr o considerou agradável, brilhante e alinhado à sua filosofia conservadora ao contratá-lo em 1992 como associado em seu gabinete de procurador-geral do governo. Dois anos depois, recrutou-o para seu gabinete de procurador independente, incumbido do impeachment.
Na tarefa, Kavanaugh se opôs a atenuar as perguntas a Clinton em respeito ao cargo. “Ele envergonhou seu cargo, o sistema jurídico e o povo americano ao fazer sexo com uma estagiária de 22 anos”, escreveu em memorando.
O jovem Kavanaugh apresentou dez perguntas a Clinton, incluindo: “Se Monica Lewinsky diz que o senhor colocou um charuto em sua vagina enquanto estavam no Salão Oval, ela mentiu?”. Ele também redigiu parte do relatório ao Congresso com fundamentos para o impeachment.
Em 2003, Alberto Gonzalez, então secretário da Justiça dos EUA, propôs Kavanaugh para juiz do Tribunal de Apelações na capital. A Ordem dos Advogados baixara sua classificação de “bem qualificado” para “qualificado”, e os democratas bloquearam a nomeação. Mas seus amigos se uniram e logo ele ganhou um lugar na banca em uma votação quase unânime no Senado.
Ali Kavanaugh estendeu sua rede. Outros juízes começaram a citar suas decisões com frequência. Na Escola de Direito de Harvard, onde lecionou por uma década até o anúncio do cancelamento de seu curso após a indicação, ele convidava os alunos para jantar e os incentivava a manter contato.
Uma ex-aluna lembra que Kavanaugh a ajudou com um cargo na Suprema Corte apesar de ela ser democrata.
Na semana passada, antes da audiência da Comissão Judiciária do Senado sobre as denúncias, Kavanaugh passou horas trancado em seu escritório no tribunal, escrevendo o depoimento e relutando para fazer o discurso até nos ensaios, segundo uma pessoa inteirada das sessões.
Ao fim do testemunho, emocionalmente exausto e com o futuro no ar, Kavanaugh buscou terreno seguro. Passou a noite com quem o acompanhou em cada passo —inclusive, claro, os colegas da escola.
The Washington Post; tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves
MARC FISHER , Ann E. Marimow e Michael Kranish The Washington Post